A ficção assume o controle: “Ioga”(2023) de Emmanuel Carrère

por Lucas Petry Bender -- "É impossível calar a voz da consciência; na melhor das hipóteses, pode-se dialogar com ela – e que melhor maneira de fazer isso senão através da leitura e da escrita? Em Ioga (“Yoga”, trad. Mariana Delfini, ed. Alfaguara, 2023), Emmanuel Carrère parte do propósito de escrever um breve manual da prática da meditação e da ioga, para terminar envolvido na rede de narrativas que são tecidas à medida em que escreve, passando, no trajeto, por uma profunda crise depressiva.

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Orwell e as Máquinas

Escritor difícil de se fazer caber em uma “caixinha”, socialista crítico do stalinismo, Orwell é muito mais conhecido pela sua ficção do que pelos seus ensaios e artigos. Porém, Viagem ao cais de Wigan, livro encomendado pelo Left Book Club inglês, serve de perfeito exemplo dessa natureza de Orwell, intragável aos lados da “guerra cultural”. Ao mesmo tempo profissão de fé no socia

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Seu Arlindo – por Gabriel Coelho Teixeira

Foi no deslocamento de alguns poucos minutos de bonde elétrico, num trecho da Avenida Rio Branco, que me deparei com a figura de Seu Arlindo. Era início de tarde, faltava pouco pro meio-dia, o calor do Sol ainda era agradável. Tomei o bonde na Cinelândia, querendo apenas evitar a caminhada até a Presidente Vargas, onde eu desceria, três pontos à frente. Sentei próximo a uma das entradas, no canto da janela, o assento ao lado ficando vago.

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As Flores do Mal de Gotham City

É nessa perspectiva que mais nos impressionam filmes como Coringa (“Joker”, 2019, dirigido por Todd Phillips) e Batman (“The Batman”, 2022, direção de Matt Reeves), o primeiro com seu lirismo sanguinário, o segundo com seu fascínio pelas trevas, ambos protagonizados por anjos decaídos e vingativos, como flores que desabrocham na escuridão e na sujeira, nutridos pelas enfermidades de Gotham City. É sobretudo por mérito da direção de arte, da cenografia e da trilha sonora que a obscura beleza do submundo de Gotham nos conquista,

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A transgressão como símbolo da ação divina

-por Matheus Bazzo Em uma cena brilhante de “Black Coal Thin Ice”, o diretor chinês Diao Yinan mostra uma passagem de tempo através de um recurso cinematográfico surpreendente. No momento em que o filme pula cinco anos em sua narrativa, o diretor opta por mostrar essa mudança de tempo apresentando os personagens atravessando um túnel em seu carro. Ao passar por ali, há uma alteração climática (antes, estavam no verão; e, agora, o chão está coberto de neve), e eles veem um acidente de moto do outro lado. O homem acidentado é o mesmo homem que está no carro. O espectador é impactado com um salto de tempo inesperado e apresentado de forma brilhante.

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