A solidão da epifania: “Pudor e Dignidade”, de Dag Solstad

Sem alarde e com tímida divulgação, o mercado editorial brasileiro recebe pela segunda vez uma obra de Dag Solstad (nascido em 1941), considerado um dos mais notáveis ficcionistas noruegueses da atualidade: Pudor e Dignidade (“Genanse og verdighet”, editora Numa, tradução direto do norueguês por Grete Skevik), publicado originalmente em 1994. Suas cerca de 150 páginas podem ser lidas de uma só vez, graças à prosa fluida e percuciente, embora a assimilação pelo leitor não seja tão fácil e ligeira; é com a inquietação, o desconsolo e o amargor de uma crise do protagonista que veremos toda a sua vida ser revista e reavaliada a partir de um momento que parecia ser, a princípio, de iluminação e epifania, para logo se precipitar num abismo de ira, frustração e impotência.

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O “Totolino” de Alexandre Soares Silva

-Milton Gustavo Vasconcelos "Toda essa maluquice lúcida me conduziu a alguns pensamentos desconfortáveis como: “Será que eu também tenho um Totolino?” “Quem será o psicopata que, com olhinhos cheios de ternura e mãozinhas gordas sujas de sangue e tecido humano, conquista minha condescendência, simpatia e aprovação?” Não tenho as respostas. Nem pretendo cansar o leitor com meus palpites. Assim deve ser a literatura de verdade, ou a "grande literatura": formula perguntas que só mesmo a vida — e não os viventes — pode responder.

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“Meu nome é Legião” – um ensaio sobre Coringa (2019)

- por Pedro de Almendra "Nenhum desses problemas, acredito, ocupa um lugar realmente central no filme e aparecem, por vezes, de modo um tanto caricatural, beirando o substituível, o descartável: ratos gigantes, risos involuntários, elite cruel, etc. O lugar que ocupam aqui é, antes, o de moldura; servem de ocasião e não de motor ao drama.

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Não há consolo maior que o desconsolo: “Serotonina”, de Michel Houellebecq

- por Lucas Petry Bender "Em Serotonina (Ed. Alfaguara, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht), o próprio título já indica que o efeito dos antidepressivos assume um tamanho protagonismo na vida hodierna, que nos resta questionar o que sobrou da luta do homem consigo mesmo e com o mundo; questionar, a partir do que a ficção de Houellebecq revela sobre a nossa condição, o que resta de humano no nó inextricável de cultura e biologia que nos define."

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De Passarão a Passarinho: A Ave Lúcifer de Emmanuel Santiago

Para mim foi uma experiência enriquecedora ler O pavão bizarro (ed. Patuá, 2014), o livro de estreia de Emmanuel Santiago, no qual revela algo do parnasianismo que muitos não enxergam, ou fingem não perceber, que é uma vida, perdoem-me o clichê, pulsante, um verdadeiro farol para a modernidade,

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Cem Anos de Desolação

"Comemoramos cem anos do poema The Waste Land e a obra continua causando a mesma reação de assombro e desconforto desde que foi publicada pela primeira vez. Trechos em 7 idiomas distintos, alusões a dezenas de obras literárias, uma impressão de falta de unidade e um tom sombrio e pessimista. Como podemos nos aproximar desta obra e ter uma experiência de leitura enriquecedora sem nos perdermos no labirinto quase infinito de referências do poema? Algumas notas de um leitor não-erudito para outro."

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A Arte Como Forma de Atenção

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- por João Silva Uma grande obra de arte tem a capacidade de direcionar (ou redirecionar) a nossa atenção para o que estava antes escondido de nós. Daí a famosa proclamação de Robert Delaunay segundo a qual “o impressionismo é o nascimento da luz”. É claro que Monet e Renoir não criaram a luz (nem mesmo o demiurgo de Platão foi capaz de tal feito). Mas eles “ensinaram-nos” a ver a luz, eles ofereceram-nos uma nova perspetiva sobre as experiências mais mundanas e coloquiais. As suas pinceladas curtas, rápidas e grosseiras conseguiram captar detalhes da realidade que normalmente sequer consideramos, retratando uma nova sensação de movimento e espontaneidade, renovando assim o que antes era percebido como meramente corriqueiro.

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De estação em estação – David Bowie, Nina Simone e as partes mais fundas da vida.

-por Ana Júlia Galvan Como é possível (...) que uma mesma música dê vazão a tantos sentimentos diferentes e a sensações tão diversas? (...) Em que âmbito da consciência são gestadas as ideias, e como as mesmas palavras podem deixar transparecer tantas possibilidades? Haverá uma interpretação certa?

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