Éros como nostalgia infinita do ser – por Bernardo Lins Brandão

– por Bernardo Lins Brandão

É um lugar-comum notar que os gregos tinham várias palavras para significar o amor, quatro em especial: éros, philía, ágape e storgé. É claro que as distinções que fazemos entre elas são esquemáticas. As palavras, em uma língua, não têm um sentido preciso, mas variadas nuances e formas de uso, em uma confusa rede semântica. Nos poetas arcaicos, por exemplo, encontramos, por vezes, éros e philía como quase intercambiáveis. O mesmo ocorre, em alguns textos dos Padres gregos, com as palavras éros e ágape, que certos comentadores contemporâneos viram como opostos. Podemos, no entanto, pensar em tendências: éros indicaria um desejo de algo que falta; philía, o amor de amizade; storgé, o afeto familiar; ágape, o transbordar do amor divino em uma vida de doação. Queria refletir aqui sobre éros entendido assim, como o desejo de algo que falta.

Para os gregos, Éros era um deus belo e delicado, mas ambíguo também. Alguns, como Fedro, no Banquete de Platão, o louvavam como antigo e venerável; outros, como os líricos antigos, falavam em morbus amoris, doença do amor. Éros têm várias facetas e é por isso que o chamavam de doce-amargo.

É justamente no Banquete que encontramos uma das primeiras reflexões filosóficas a seu respeito. Os vários discursos sobre o amor ali declamados refletem sua natureza múltipla: ele é um deus, uma força cósmica, a nostalgia de uma unidade perdida, um intermediário entre o humano e o divino. No discurso de Sócrates, que relata o que Diotima lhe ensinou-lhe, éros aparece como o desejo de possuir o belo eternamente, o que acho ser uma das grandes intuições da filosofia platônica. 

É que ela alcança um dos aspectos mais essenciais da condição humana: quando não estamos preocupados com a nossa subsistência nem caímos nas ilusões da busca por riqueza ou poder, somos movidos pela beleza. Quando nenhuma obrigação nos coage, o que desejamos é estar junto dela, experimentá-la nas diversas formas em que se manifesta: queremos estar na presença de pessoas belas e de belas almas, de contemplar belas obras de arte e a beleza que se manifesta nas paisagens naturais, de tornar o mundo belo e de ter uma vida bela, repleta de belas ações.

Nesta vida, estamos sempre em busca da beleza. Mas essa é uma busca paradoxal: quando a alcançamos, percebemos que encontrá-la de modo fugaz não é o bastante. Somos seres mortais; no entanto, não queremos que nossa experiência do belo termine. Nosso desejo por ele é também desejo de eternidade e é por isso, Diotima revela a Sócrates no Banquete, que éros é querer possuir o belo eternamente. Mas isso não é tudo. Indo além de Platão, nas Confissões, Agostinho vê claramente: nosso desejo não pode ser satisfeito por nada que existe neste mundo. Ele é maior que o mundo e mira o ser em toda sua plenitude.

É por isso que defino éros como nostalgia infinita do ser. É infinito porque nenhum ente finito é capaz de o aplacar. E é nostalgia porque, por vezes, se manifesta como o desejo por um retorno à pátria querida, para falar como Plotino citando a Ilíada, ou, como indica o Aristófanes do Banquete em seu mito do andrógino, como a ânsia pelo reestabelecimento de um estado primordial de inocência e plenitude que, talvez, nunca tenhamos vivido. É tendo em mente esse desejo que os filósofos neoplatônicos entenderam a narrativa Odisseia da viagem de Ulisses de volta a Ítaca como um símbolo da própria jornada da alma.

É esse estranho impulso, a meu ver, o que Gabriel Marcel chamou de exigência ontológica, que, segundo ele, se manifesta como insatisfação diante de uma existência superficial, típica de nosso mundo fraturado, e como o chamado a um mergulho no mistério do ser.

É que o ser humano é mais que um corpo que sente fome e sede. Ele também tem fome e sede de beleza, justiça e verdade. O alimento da alma é o ser, pois o homem, mais que um zóon politikón, é um animal metafísico. É por isso que éros, nostalgia infinita do ser, é o seu guia.