Comidinha – uma crônica do dia das mães, por Juliana Amato

Na maternidade surreal a rasteira vem de todos os lados. Durante as primeiras semanas de vida de nosso filhote, a beleza de ser mãe mistura-se ao desespero enquanto tentamos administrar horários de mamadas, horários das sonecas, cólicas, palpites, a usina de informações que calam a nossa intuição… enfim, a nossa nova existência. Enquanto o vivia, jurava que o puerpério estava sendo suave, mas agora, com uma bebê que já tem dez dentes, olho para trás e vejo uma mulher totalmente pirada. Não que hoje esteja totalmente sã, bem, vocês me entendem.

Mesmo assim, rio — qual o remédio? Fora o que deu errado tem dado tudo certo, e cruzamos a soleira dos 6 meses até a tão aguardada introdução alimentar. Porque, sim, eu a aguardava! Como a minha bebê não era lá uma grande bebedora de leite, tinha fé em que ela iria preferir comer, explorar texturas, sabores, enfiar as mãozinhas (um texto com um bebê tem que ter mãozinhas) na salada de frutas, adorar o gosto da banana amassada, e do mingau, e do arroz com feijão.

Pobre mãezinha essa que foi à feira e voltou com todas as cores de legumes, para serem cuspidos em série na primeira oferecida, ignorados na segunda e arremessados na terceira. Que fez as receitas mais saudáveis, com a apresentação mais variada — arroz papinha, arroz sequinho, bolinho de arroz —, usando os temperos mais diversos, para ser frequentemente humilhada (porque o fato de uma criança não comer não indica que ela não está com fome; é uma demonstração inconteste de nosso fracasso como mãe). Nas pesquisas, mil motivos para um bebê que não come, indicando osteopata para curar, suplementos para suplementar, mas nenhum esclarecimento que diga, simplesmente: “há bebês que comem pouco mesmo, mãe, se o seu filho está bem, ativo e saudável, fique tranquila e tente se divertir, pelo amor de Deus”.

A redenção veio de Clarice Lispector. Essa mãe de dois, mesmo lá longe, agarrarou a minha mão e me içou docemente do fundo do poço. Em uma carta a Elisa Lispector e a Tania Kaufmann, de 17 de março de 1956 (um sábado), ela diz que Paulinho andava “comendo só como passarinho, muitas vezes e pouco de cada vez”. O menino tinha uns três anos — agora tem 73, aponta a Wikipedia. Bem, ele comia pouco quando criancinha e está aí, até hoje. 

Ver a alimentação de Cecília como a de um passarinho, além de literário, foi suficiente para atenuar o meu desespero de mãe que não vê o filho abrindo o bocão e limpando o prato a cada refeição. Ah, e além de pouco, a passarinha em questão come batendo as asas. Uma garfada, um sobrevoo pela sala; uma colherada — que, por exigência própria, ela mesma deve colocar na boca —, a leitura de duas páginas do livrinho, que já guarda fósseis de arroz e brócolis; um pedacinho, um pedido de música para a mamãe, que deve cantar e dançar com as mãozonas.

“É preciso disciplinar desde cedo”, diz meu eu-rigoroso, em debate com meu eu-delicioso, que argumenta: “é um bebê! — vai aprender com o tempo, não vai ser uma adulta que joga comida no chão”. Infelizmente, as visitas deste último são escassas. Mas vez ou outra a realidade se impõe, e dia desses o eu-rigoroso se impressionou com uma cena: a bebê mexia a comidinha imaginária na panela e a oferecia às colheradas para as bonecas, suas filhas, sentadas à frente, bem comportadas, fazendo papa.