A árvore e a fruteira – por Juliana Amato

A primeira árvore de Natal que tivemos em casa, quando eu era criança, era das muito simples — alguns galhos de arame encapados com papelinhos verde-escuros, parecendo patas de um inseto peçonhento. Os enfeites eram sortidos, alguns que guardávamos há anos, um ou outro que minha mãe trazia para juntar-se aos antigos. Montá-la era toda vez uma festa, como deve ser.

Alguns natais depois, tínhamos um pouco mais de dinheiro e compramos uma árvore novíssima, muitos centímetros mais alta, com galhos de plástico imitando o dos pinheiros e bolas vermelhas e douradas, laços, tudo combinando. Na hora de montá-la, fomos vasculhar a caixa da árvore velha e ver o que ficaria, o que jogaríamos fora ou iria para doação. Segurei entre o polegar e o indicador um enfeite recortado de uma embalagem do Mc Lanche Feliz, furado no topo do desenho, seguindo o picote, com uma fitinha amarrada. Era um M do McDonalds vestindo um chapéu de Papai Noel e rodeado de ramos e bolinhas coloridas. 

— Nossa, mamãe, olha o que a gente colocava na nossa árvore! — desprezei, com ares de criança fidalga. Os enfeites do McDonalds foram para o lixo, mas ainda os vejo.

Guardar os objetos, arte curiosa da memória. Podemos não lembrar bem do cenário, mas há os objetos, os donos dos objetos, que o detêm e dizem, sem dizer, “é assim que vejo o mundo”. Entrar numa casa e observar os objetos dos outros, relacioná-los às pessoas. Uma mesa quadrada de tampo de vidro do apartamento do primeiro parágrafo e que nos acompanhou por mais alguns anos e apartamentos — a madeira de qualidade tão frágil que qualquer unhada avariava. As camponesas de porcelana da casa da bisa, um clássico; o almofadão preto e branco no chão da sala dos meus avós; os enfeites exóticos da minha tia, na esquina da sala, molas enormes pretas e vermelhas. Pincel de barbear no canto esquerdo do espelho do banheiro, o zippo preto de contornos prateados que furtava para fumar escondida.

Escolher um objeto para colocar em casa, para levar consigo, é também providenciar memórias para alguém, sejam visitantes bissextos ou frequentes, e para os que moram é inaugurar uma nova era — a era da casa com aquele objeto dentro. Decisão tão importante como essa, de colocar um objeto dentro de casa (sem que seja necessário, nesse caso, a decisão é a própria necessidade), não é coisa da razão, tomada por listas de prós e contras, mas da paixão, do olhar surpreendido, da vontade de olhar para aquilo todos os dias. Assim como o objeto atraiu o olhar do dono, a ponto de este querer tirá-lo do mundo impessoal do mercado e trazê-lo para o seu mundo, pode passar a habitar o museu mental de quem cruzar com ele.

Tudo isso para anunciar que comprei uma fruteira — à primeira vista, tão feiosa e esquisita que fica bonita (um conceito que muito aprecio em decoração, objetos lindos por misericórdia). É redonda, alta e de cerâmica, um cacho imenso de bananas, e nela cabem com folga todas as frutas que compro na semana — a ex-fruteira nem fruteira era… um cachepô de cimento no qual eu tinha que equilibrar tudo, os limões rolavam pelo chão, o mamão tinha de ser posicionado estrategicamente para não ficar escoriado.

Mas não foi apenas no adequado armazenamento das frutas que pensei no momento da aquisição. Na fila do caixa do Hiper 1,99, abraçada à minha fruteira de Troia, comecei a pensar em minha filha, cuja reação a esta alturinha da vida seria tão-somente de extrema curiosidade. Pensei nela um pouco maior me ajudando a guardar as frutas; e depois, ainda maior, sentada à nossa mesa de jantar, desenhando a fruteira com lápis de cor. Pensei nela pré-adolescente, dizendo, “mãe do céu, essa fruteira é ho-rro-ro-sa!”, e depois nela adulta, em sua própria casa, escolhendo uma fruteira e lembrando dessa nossa com um sorriso. Gosto ainda mais da fruteira. E ainda mais da minha casa, quando vejo a minha filha circulando por ela e tocando seus objetos, o mundo que não cansa de conhecer.

Neste ano não montei uma árvore tradicional: comprei uma de feltro com enfeites de grudar para não precisar me preocupar com a empolgação de uma bebê de um ano. A cada dia, encontro os enfeites escondidos nos lugares mais inusitados da casa — nossa caça ao tesouro acidental. No próximo ano, quem sabe, já poderemos montar juntas uma árvore mais frondosa. Minha filha vai segurar o enfeite de feltro entre o polegar e o indicador e dizer que “é de quando eu era bem bebezinha”…