A vida secreta das cores: uma visão sacramental (em quatro poemas)

por Bernardo Lins Brandão

I.

ainda há espaço aqui
a cidade afogada em ruído

para todo aquele que acredita

que beleza nenhuma deste mundo
existirá em vão

II.

e naqueles dias tão espaçosos

as flores e os rios e as montanhas
me falavam de coisas ocultas
desde a fundação do mundo

o peso, número e medida do cosmos
unidade esquecida do ser
a radicalidade em júbilo de todas as coisas

não mais compreendo o que dizem

o falatório incessante do asfalto
me faz esquecer
a língua da terra

III.

e distraídos deixamos
o céu em chamas passar

sem perceber nele a última chance

de trazermos de volta à Terra
a vida secreta das cores

IV.

mais um outono se foi

a terra aguarda o retorno
das flores

não acabamos ainda de nascer