Gomezdavilianas II – 210 aforismos sobre ócio e educação

– Traduzidos e selecionados por David Carvalho

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1º – O pensamento que quer ser sempre justo se paralisa. O pensamento progride quando caminha entre injustiças simétricas, como entre duas fileiras de enforcados.

2º – A maturidade do espírito começa quando deixamos de nos sentir encarregados do mundo.

3º – Este século de pedagogia proletária predica a dignidade do trabalho, como um escravo que calunia o ócio inteligente e voluptuoso.

4º – Somente de causas perdidas se pode ser partidário irrestrito.

5º – A ideia inteligente produz prazer sensual.

6º – A sabedoria não consiste em se moderar por horror ao excesso, mas por amor ao limite.

7º – A inteligência não se aquieta na síntese, mas na tensão dos contrários.

8º – As águas que a inteligência não revolve são puras, mas insípidas.

9º – A alma cresce para dentro.

10º – A alma bem nascida admite a existência de inferiores, para que não a igualem aos superiores que admira.

11º – A sabedoria se reduz a não ensinar a Deus como se devem fazer as coisas.

12º – No cultivo da lucidez culmina a cultura.

13º – Nem pensar prepara para viver, nem viver prepara para pensar.

13º – O problema autêntico não exige que o resolvamos, mas que tratemos de vivê-lo.

14º – A inteligência só plagia quando não emprenha o que rouba.

15º – Sempre se trata de suicídio quando algo autêntico morre.

16º – O ceticismo é a humildade da inteligência.

17º – Só é nobre o que dura.

18º – Não há vitória espiritual que não tenha de ser reconquistada a cada dia.

19º – Somente a quietude e a rotina nos entregam a polpa das coisas, das essências, dos seres.

20º – Quem pretende amadurecer deve ser indiferente ao tédio. As civilizações são o resplendor de monotonias pacientes.

21º – O primeiro passo da sabedoria está em admitir, com bom humor, que nossas ideias não têm por quê interessar a ninguém.

22º – Neste século de multidões transumantes que profanam todo lugar ilustre, a única homenagem que um peregrino reverente pode render a um santuário venerável é o de não o visitar.

23º – O homem não possui sua inteligência: sua inteligência visita-o.

24º – Para educar a alma é necessário submetê-la à presença dos mesmos muros, à paz rotineira e monótona da mesma paisagem sob o mesmo céu.

25º – A disciplina não é tanto uma necessidade social como uma urgência estética.

26º – Viver com lucidez uma vida simples, calada, discreta, entre livros inteligentes, amando a alguns poucos seres.

27º – Culto é o homem que não converte a cultura em profissão.

28º – Civilização é tudo o que a universidade não pode ensinar.

29º – Quem tiver curiosidade de medir sua estupidez, que conte o número de coisas que lhe pareçam óbvias.

30º – O ininteligível é a região onde a alma, enfim, respira.

31º – Verdadeiro aristocrata é quem tem vida interior. Seja qual for sua origem, sua patente ou sua fortuna.

32º – O supremo aristocrata não é o senhor feudal em seu castelo, mas o monge contemplativo em sua cela.

33º – No homem cultivado a cultura não se justapõe à vida cotidiana. Culto é o homem que transforma em reflexos fisiológicos os mais nobres produtos do espírito.

34º – O triunfo de quem não duvida de si mesmo é de uma majestade tediosa.

35º – A classe média da inteligência é lamurienta e gemebunda.

36º – Para não atuar como pedagogos indignados, devemos nos converter em genealogistas da imbecilidade. Classificar estupidezes ou investigar sua origem apaziguada.

37º – A “torre de marfim” tem má fama entre os habitantes de tugúrios intelectuais.

38º – Chamamos de inteligentes os que se equivocam de determinada maneira.

39º – O pensamento é indefinido em ambas direções: não conhece conclusões últimas nem princípios primeiros.

40º – A liberdade, para o democrata, não consiste em poder dizer tudo o que pensa, mas em não ter de pensar em tudo o que diz.

41º – A ação é o refúgio das inteligências assustadas.

42º – Alguns manejam suas ideias com elegância hereditária, outros com torpeza de novo rico.

43º – As almas que não são teatro de conflitos são cenários vazios. 

44º – Toda concordância é tediosa.

45º – O pensamento próprio chega a aborrecer tanto quanto a própria cara.

46º – Ainda mais tedioso que o trabalho é seu panegírico.

47º – O fomento da cultura torna-a doente.

48º – Cada indivíduo chama “cultura” à soma das coisas que observa com respeitoso tédio.

49º – Educar não consiste em colaborar com o livre desenvolvimento do indivíduo, mas em apelar ao que todos têm de decente contra o que todos têm de perverso.

50º – A inteligência não envelhece, mas fica datada.

51º – A providência concede somente a alguns poucos homens o direito de ser autênticos.

Tanto a estética como a ética pedem a gritos que os demais se apressem em se falsificar.

52º – O indivíduo não nasce para “descobrir” e “expressar” o embrionário aspecto de sua alma. Nasce para enfeudar sua pessoa ao amo mais nobre que encontre. 

53º – A inteligência se torna robusta com os lugares comuns eternos. E se debilita com os de seu tempo e seu sítio.

54º – É fácil simpatizar com qualquer homem enquanto não opine.

55º – De nada serve ao medíocre emigrar para onde moram os grandes.

56º – Todos carregamos nossa mediocridade nas costas.

57º – Viver entre almas baixas exaspera em paixão nosso apetite pelo grandioso.

58º – Gastamos uma vida para compreender o que um estranho compreende em uma olhadela: que somos tão insignificantes quanto os demais.

59º – Quem olha sem admirar nem odiar não viu.

60º – Toda reta leva direto a um inferno.

61º – O homem culto tem o dever de ser intolerante.

62º – A porta da realidade é horizontal.

63º – As coisas mais nobres da Terra talvez não existam senão nas palavras que as evocam. Mas basta que ali estejam para que sejam.

64º – Educar é ensinar a se apaixonar pelo que carece de vigência.

65º – Tão somente o homem muito inteligente não possui a solução dos problemas atuais.

66º – A sabedoria se reduz a não esquecer jamais nem o nada que é o homem nem a beleza que nasce às vezes em suas mãos.

67º – Ensinar exime da obrigação de aprender.

68º – Observar a vida é interessante demais para perder tempo vivendo-a.

69º – O homem inteligente deve fracassar porque não se atreve a crer no verdadeiro tamanho da estupidez humana.

70º – O indivíduo não se torna interessante enquanto não se desilude.

71º – Em se vestir, não em se despir, consiste sempre a civilização.

72º – Nobre é a pessoa capaz de não fazer tudo que poderia.

73º – Duas condições são necessárias para que uma aristocracia nasça: que as leis não o impeçam e que não o facilitem.

74º – Viver é optar. E optar é ser injusto. Optemos, pois, pela injustiça menos ininteligente.

75º – O órgão do prazer é a inteligência.

76º – O bobo, para ser perfeito, tem de ser algo culto.

77º – A alma enferma não se sana suprimindo seus conflitos mesquinhos, mas se lançando entre conflitos nobres.

78º – Civilizada é a época que não reserva a inteligência para os trabalhos profissionais.

79º – O refinado se torna ridículo ao cabo de poucos anos ou de poucas léguas.

80º – Para nos preservarmos do embrutecimento basta evitar conversas de jovens e diversões de adultos.

81º – A alma é hera para muros de pedra, não se prende em paredes de cimento.

82º – Pensamento maduro é o que não esquece que tudo apodrece.

83º – A cultura é herança de família. Ou segredo entre amigos. O demais é negócio.

84º – A vida ativa animaliza.

85º – Só há epifanias no silêncio dos bosques. Ou no silêncio da alma.

86º – A alma humana em certas épocas tem mal hálito.

87º – A universidade educa enquanto ensina ao jovem a apaixonar-se por tudo que lhe será inútil mais tarde.

88º – Não devemos emigrar, mas conspirar.

89º – O Estado moderno é pedagogo que não licencia nunca os seus alunos.

90º – Quando a noção de dever expulsa a de vocação a sociedade se povoa de almas truncadas.

91º – Cristo ao morrer não deixou documentos, mas discípulos.

92º – O discípulo trivializa o pensamento do mestre ocultando as contradições que encerra.

93º – A inteligência é pouca coisa se a alma inteira não pesa sobre ela como sobre sua ponta.

94º – Devemos embalsamar a vida em ritos, para que não apodreça.

95º – A imbecilidade muda de tema a cada época para que não a reconheçam.

96º – As hierarquias são celestes. No inferno todos são iguais.

97º – A alma moderna é uma paisagem lunar.

98º – Stabilitas loci – como a regra beneditina o ordena. O errante erra.

99º – Uma cultura não é tradição autêntica senão quando se transmite no silêncio da noite como uma contrassenha clandestina.

100º – Entre civilização e comarca não há instância intermediária que mereça nossa lealdade.

101º – Todo pretendente legítimo morre no exílio.

102º – Só conhecem o fundo da alma humana o mercador de escravos e o proxeneta.

103º – Há um analfabetismo da alma que nenhum diploma cura.

104º – A história castiga inexoravelmente a estupidez, mas não premia necessariamente a inteligência.

105º – A prosa de César é a voz mesma do patriciado: dura, simples, lúcida.

A aristocracia não é um montão de ouropéis, mas uma voz taxativa.

106º – Tudo é volumoso neste século. Nada é monumental.

107º – A inteligência avança tomando crescente posse de seu ponto de partida.

108º – Tão somente entre amigos não há cargos.

109º – A alma se forja somente sob inúmeras atmosferas de sonhos.

110º – Um pouco de inteligência agrava ao indivíduo os seus problemas. Uma grande inteligência lhe os agrava ainda mais, mas também lhe os limpa.

111º – A quem pergunte com angústia o que cabe fazer hoje, respondamos com probidade que hoje só há espaço para uma lucidez impotente.

112º – Educar não é transmitir receitas, mas repugnâncias e fervores.

113º – A inteligência inventou os ritos para amparar o homem contra a sinceridade do tonto.

114º – Homem decente é o que se faz exigências que as circunstâncias não lhe fazem.

115º – A alma é quantidade que decresce à medida que mais indivíduos se agrupam.

116º – Só a inteligência fere; só a inteligência cura.

117º – Condenar-se a si mesmo não é menos pretensioso que se absolver.

118º – A prudência com que caminha o que viaja entre abismos parece pusilânime ao que circula pelas ruas.

119º – Sem rotinas religiosas as almas desaprendem os sentimentos sutis e finos.

120º – A única vitória é o olhar inteligente.

121º – Sentir-se criatura é sentir-se contingente, mas misteriosamente albergado.

122º – A inteligência que não desperta hostilidade é anódina.

123º – Para avançar deve-se girar ao redor de um ponto.

124º – Nadar contra a corrente não é estupidez se as águas correm rumo às cataratas.

125º – Não importa nossa mediocridade se em lugar de degradá-la em inveja nós a enobrecemos em vassalagem.

126º – Não confiemos no gosto de quem não sabe detestar.

127º – Libertar o homem é sujeitá-lo à cobiça e ao sexo.

128º – Não devemos nos assustar: o que admiramos não morre. Nem nos regozijar: o que detestamos tampouco.

129º – A educação sexual se propõe a facilitar ao educando a aprendizagem das perversões sexuais.

130º – Nem todo professor é estúpido, mas todo estúpido é professor.

131º – No último rincão do labirinto da alma grunhe um símio assustado.

132º – A felicidade caminha com os pés descalços.

133º – Não falemos nunca de Deus com voz melíflua.

134º – Os partidários de uma causa devem ser os melhores argumentos contra ela.

135º – Os indivíduos civilizados não são produtos de uma civilização, mas sua causa.

136º – Um pensamento não deve se expandir simetricamente como uma fórmula, mas desordenadamente como um arbusto.

137º – Só nós mesmos somos capazes de envenenar as feridas que nos façam.

138º – Só a ideologia da “saúde” rivaliza em astúcia com a ideologia da “cultura”.

139º – As grandes explicações imbecis do comportamento humano explicam adequadamente o que as adota.

140º – Nobre não é quem crê ter inferiores, mas quem sabe ter superiores.

141º – O sorriso é divino, o riso humano, a gargalhada animal.

142º – Impossível convencer ao tonto que existam prazeres superiores aos que compartilhamos com os demais animais.

143º – À lucidez de certos momentos junta-se às vezes a sensação de velar sozinho em uma cidade que dorme.

144º – O diabo não pode fazer grandes coisas sem a colaboração atordoada das virtudes.

145º – Os meios são obra da inteligência do homem e os fins geralmente de sua estupidez.

146º – A vida do moderno se move entre dois polos: negócio e coito.

147º – Não exponhamos nunca os defeitos de algo grande ante quem ignora que seja grande.

148º – Distinguir uma doutrina de suas aplicações permite ao tonto persistir em seus erros.

149º – Ouvir críticas estúpidas ao que detestamos nos incita a defendê-lo.

150º – O cristão sabe que o cristianismo mancará até o fim do mundo.

151º – A “vida” (entre aspas enfáticas) é o consolo dos que não sabem pensar.

152º – Quem não sabe condenar sem temor não sabe apreciar sem medo.

153º – Pensar contra é mais difícil que atuar contra.

154º – A liberdade à qual o homem moderno aspira não é a do homem livre, mas a do escravo em dia de férias.

155º – A alma alimenta-se do que há de misterioso nas coisas.

156º – A inteligência não cabe dentro dos limites de uma doutrina.

157º – Quem não quer senão amigos inteligentes corre o risco de morrer sozinho.

158º – A derrota de uma causa nobre importaria menos se não regozijasse tanto aos imbecis.

159º – Ninguém é ridículo sendo o que se é, por mais ridículo que seja o que se é.

160º – Só Deus pode persuadir; os demais só podemos despertar.

161º – Ao invés de adquirir polpa, espessura, substância, a vida se desbota, se amingua, empobrece, quando não se crê em outra.

162º – A solução que não esteja pronta para rir de si mesma embrutece ou enlouquece.

163º – A fábrica sinistra de argumentos em favor da absurdidade radical do mundo vacila ante a presença da menor coisa que nos preencha.

164º – Todo mecanismo liberta primeiro e escraviza depois.

165º – Nem derrotas nem desgraças cortam o apetite de viver. Só a traição o extingue.

166º – Oração, guerra e agricultura são as ocupações viris.

167º – Não há coisas triviais, só mentes triviais.

168º – Tudo, em um dado momento, depende do maior ou menor poder dos imbecis.

169º – As generalidades consolam o ignorante.

170º – As certezas são indigestas; só são nutritivas as suspeitas.

171º -Deus é hóspede do silêncio.

172º – Existe uma ignorância sábia: a que elege o que ignora.

173º – O tonto converte a ironia em vulgaridade e a simplicidade em grosseria.

174º – Não só o intelecto, em alguns a alma mesma zurra.

175º – O formalismo aristocrático evita a grosseria sem cair na impostura.

176º – A vida é deliciosa nos instantes em que se deixa pensar ou sonhar.

177º – Todo mendigo é meu irmão.

178º – Escutar o próximo é uma das mais penosas obras de misericórdia.

179º – O adulto inteligente é aquele onde perdura o menino e morre o jovem.

180º – Não se deve crer na vocação senão do que, como Sócrates, não cobra.

181º – Muitos poucos se comportam com a discrição adequada à sua insignificância.

182º – A sociedade moderna não educa para viver, mas para servir.

183º – Deve-se aprender a manejar as armas do adversário, mas com o devido asco.

184º – A inteligência isola; a estupidez congrega.

185º – Deve-se escolher entre vida rotineira e pensamento rotineiro.

186º – Com quem não esteja um pouco cansado de tudo não vale a pena dialogar.

187º – Dialogar com o imbecil é escabroso: nunca sabemos onde o ferimos, quando o escandalizamos, como o comprazemos.

188º – Deve-se viver para o instante e para a eternidade. Não para a deslealdade do tempo.

189º – Falemos em voz baixa.

Ainda que se grite o tonto não entende.

190º – O asfalto urbano só produz democratas, burocratas e putas.

191º – As convicções estúpidas têm a solidez do granito.

192º – À maioria das pessoas não devemos pedir que sejam sinceras, mas mudas.

193º – Bem e beleza não se excluem mutuamente senão onde o bem serve de pretexto à inveja e a beleza à luxúria.

194º – Latim e grego educam porque transmitem uma visão do mundo antagônica à atual.

195º – O homem raramente entende que não há coisas duradouras, mas que há coisas imortais.

196º – Quem sabe preferir não exclui. Ordena.

197º – Crendo rugir o jovem zurra.

198º – A liberdade é sonho de escravos. O homem livre sabe que necessita de amparo, proteção e ajuda.

199º – Os que confessam duvidar da imortalidade da alma parecem crer que nos interessa sua alma ser imortal.

200º – A ciência não educa porque não transmite do objeto que estuda senão a maneira de utilizá-lo.

201º – A presença de um imbecil entristece.

202º – A vida é um combate cotidiano contra a própria estupidez.

203º – O mais irônico na história é que prever seja tão difícil e haver previsto tão óbvio.

204º – O homem só é importante se for verdade que um Deus tenha morrido por ele.

205º – As humanidades clássicas educam porque ignoram os postulados básicos da mente moderna.

206º – Nada nos envergonha tanto como haver proferido trivialidades pomposamente.

207º – Está bem exigir ao imbecil que respeite artes, letras, filosofia, ciências, mas que as respeite em silêncio.

208º – Educar o indivíduo consiste em lhe ensinar a desconfiar das ideias que lhe ocorram.

209º – Uma educação sem humanidades prepara somente para os ofícios servis.

210º – Ser reacionário é haver aprendido que não se pode demonstrar nem convencer, só convidar.