–Tradução e comentários por David Carvalho
O reacionário, o digno náufrago, o franco-atirador, defensor obstinado de uma colina. O filósofo colombiano Nicolás Gómez Dávila (1913-1994) escreveu mais de dez mil aforismos sobre Política, Catolicismo, Arte, Literatura, Educação e tantos outros temas, onde mapeou incansavelmente o rosto partido do homem moderno e indicou o caminho, caminho de terra, para uma vida nobre, simples e sábia. A sua Reação era a revolta de um homem só, inerme, contra uma vulgaridade sem precedentes na história da tolice humana. Para Gómez Dávila só restava uma opção, portanto, a mesma tomada historicamente pelos filósofos desde Sócrates até Olavo de Carvalho, de Delfos a Richmond, tornar-se uma “lucidez impotente”, tendo de para isso adotar uma vida rotineira e ociosa, dialogar com os mortos ilustres, dominar o próprio idioma renunciando ao vocabulário maculado e supérfluo, tornar-se, enfim, o pilar de uma nova civilização ainda que esta nunca venha à tona. Este é o núcleo da proposta que os seus aforismos, denominados pelo filósofo de Escólios, apresentam e defendem com tanto vigor. Menores que os Pecios de Rafael Sánchez Ferlosio, tão incisivos quanto os crepusculares de Friedrich Nietzsche, estes fragmentos surgem tematicamente entremeados em sua obra, girando concêntricos e erráticos ao redor da mesma denúncia e do mesmo convite. Para fazer uma seleção deles eu adotei o Breviario de Escolios, edição espanhola da Atalanta que faz as vezes de antologia composta cuidadosamente por José Miguel Serrano e Gonzalo Muñoz, traduzi 420 aforismos que tratassem de Literatura e de Educação e os enumerei ordinalmente do primeiro ao último para facilitar a referência e o traslado entre tantas máximas ao leitor interessado em evocar a esgrima de don Colacho.
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1º – O relato inteligente da derrota é a sutil vitória do vencido.
2º – Ciência é o que não importa a ninguém em particular, e no geral a todo mundo.
Literatura é o que só importa em particular.
3º – O que se alimenta somente de ideias gerais desfalece.
4º – A profundidade não está no que se diz, mas no nível desde o qual se diga.
5º – Somente as letras antigas curam a sarna moderna.
6º – Só vive sua vida quem a observa, pensa e diz; aos demais sua vida os vive.
7º – Escrever breve, para concluir antes de enfastiar.
8º – Grande escritor é o que molha em tinta infernal a pluma que arranca à asa de um arcanjo.
9º – Os críticos patriotas inventam gênios às literaturas pobres.
Nada estraga mais o gosto que o patriotismo.
10º – Basta o impacto de um verso para fazer estalar os detritos que sepultam a alma.
11º – A verdade nasce na alma que se agita no meio do silêncio das coisas.
12º – A filosofia honesta não pretende explicar, mas circunscrever o mistério.
13º – Os que carecemos de talento traduzimos meramente textos anônimos e públicos no idioma de nossas preocupações pessoais.
14º – O trânsito de um livro a outro livro se faz através da vida.
15º – As palavras não comunicam, recordam.
16º – A palavra não foi dada ao homem para enganar, mas para se enganar.
17º – A explicação que não faça parecer mais misterioso o que explica fracassou.
18º – A ideia não é um espectro, mas um corpo verbal, denso, sonoro, luminoso.
19º – Todo escritor comenta indefinidamente seu breve texto original.
20º -O ato filosófico genuíno está em descobrir um problema em cada solução.
21º – A cultura literária e filosófica, que foi até ontem o custoso orgulho de uma classe, é hoje o negócio de um grêmio.
22º – Alguns tentamos escrever tão somente para prolongar a vida cotidiana em vida inteligente.
23º – O adolescente não perdoa os escritores que leu seu pai.
24º – Toda verdade vai de carne em carne.
25º – Uma vocação genuína leva o escritor a escrever somente para si mesmo: primeiro por orgulho, depois por humildade.
26º – Triste como uma biografia.
27º – Sem a imaginação, a realidade é um espetáculo tedioso que a inteligência examina e classifica. Sem a realidade, a imaginação é mecanismo que reitera suas rotinas.
A redenção da realidade é o ofício da imaginação.
28º – À literatura pertence todo livro que se possa ler duas vezes.
29º – A frase deve ter a dureza da pedra e o tremor do galho.
30º – A natureza, para não perecer pelas mãos da técnica, se refugia na imaginação de alguns homens.
31º – A filosofia é um gênero literário.
32º – Quando imaginação e percepção coincidem a alma se inflama.
33º – Morar em toda ideia.
Um instante.
34º – Há os que confessam, sem se avergonhar, que estudam literatura.
35º – Quem aceita o léxico do inimigo se rende sem saber. Antes de se fazerem explícitos nas proposições, os juízos estão implícitos nos vocábulos.
36º – As ideias não se rendem senão a quem as apalpa como a corpos desnudos.
37º – Todo fato é sempre menos interessante que seu relato.
38º – Não há estupidez que uma sintaxe elegante não redima.
39º – As ideias tiranizam o que tem poucas.
40º – Os três inimigos da literatura são: o jornalismo, a sociologia, a ética.
41º – Nos países intelectualmente indigentes, o patriotismo do leitor compensa o insuficiente talento do autor.
42º – A vantagem do aforismo sobre o sistema é a facilidade com que se demonstra sua insuficiência.
Entre poucas palavras é tão difícil se esconder como entre poucas árvores.
43º – O mito não é visão obsoleta, mas função semântica que permite referências, equivocadas ou acertadas conforme o caso, a determinadas evidências.
O mito não é ciência prematura do universo, mas dimensão específica da linguagem.
44º – Meditar é dialogar com algum morto.
45º – Sejamos livresques, quer dizer, saibamos preferir à nossa limitada experiência individual a experiência acumulada em uma tradição milenar.
46º – Os que escrevem para convencer mentem sempre. Para não trapacear deve-se escrever com desdém.
47º – Nada mais difícil que compreender a incompreensão alheia.
48º – A excelência técnica do trabalho intelectual chegou a tal ponto que as bibliotecas estouram de livros que não podemos desdenhar, mas cuja leitura não vale a pena.
49º – Falando com propriedade: a beleza da obra está no que excede qualquer definição do crítico.
50º – Os verdadeiros problemas não têm solução, mas história.
51º – O único escritor do XVIII ressuscitado pela admiração de nossos contemporâneos foi Sade.
Visitantes que de um palácio não admiram senão as latrinas.
52º – A inteligência literária, não a inteligência filosófica, nem a inteligência científica, é a fase zenital da inteligência.
53º – Para persuadir devemos expressar argumentos sutis em fórmulas sem sutileza.
54º – Chamamos história da literatura a enumeração das obras que se evadiram da história.
55º – O que a imaginação inventa não é menos real do que o que afeta os sentidos.
Somente mais frágil.
56º – A Homero, poeta da aristocracia jônica, e a Dante, poeta do ordo medieval, deve-se agregar Shakespeare, “poeta do feudalismo” (segundo Morley).
A Reação não anda ruim de poetas.
57º – Com quem ignora determinados livros não há discussão possível.
58º – Quando ouvimos os acordes finais de um hino nacional, sabemos com certeza que alguém acaba de dizer besteiras.
59º – Nosso irmão não é o que tem forma corporal semelhante à nossa, mas o que apalpa o mesmo mistério.
60º – As verdades não são ferramentas para a exploração do planeta, mas estandartes sob os quais acreditamos que vale a pena morrer.
61º – Não sou um intelectual moderno inconformado, mas um camponês medieval indignado.
62º – Quando o bom gosto e a inteligência estão de acordo, a prosa não parece escrita por um autor, mas por ela mesmo.
63º – O universo não é de leitura difícil por ser texto hermético, mas por ser texto sem pontuação.
Sem a entonação adequada, ascendente ou descendente, sua sintaxe ontológica é ininteligível.
64º – As ideias tontas são imortais.
Cada nova geração inventa-as novamente.
65º – O que fala de sua “geração” confessa ser parte de um rebanho.
66º – A literatura é a arte de devolver ao vocábulo significativo a função expressiva do grito.
67º – Nos sentirmos capazes de ler textos literários com imparcialidade de professor é confessar que deixamos de gostar de literatura.
68º – Os biógrafos do escritor devem eliminar a pessoa para se ocupar da sua vida insignificante.
69º – O escritor que não torturou suas frases tortura o leitor.
70º – Os poemas não estão escritos para que os leiamos, mas para que os recordemos.
71º – A imaginação é o único lugar no mundo onde se pode habitar.
72º – Quando os intelectuais calarem é possível que a literatura ressuscite.
73º – A facilidade é o prêmio do gênio e o castigo do medíocre.
74º – A total liberdade de expressão não compensa a falta de talento.
75º – Ou aprendemos da tragédia grega a ler a história humana ou não aprendemos nunca a lê-la.
76º – Sem analisar não compreendemos.
Mas não presumamos ter compreendido porque analisamos.
77º – Deve-se escrever em voz baixa.
78º – A literatura não perece porque ninguém escreve, mas quando todos escrevem.
79º – Não pretendamos alcançar o acerto.
Contentemo-nos com o erro inteligente.
80º – Nem sempre é fácil falar em espanhol com delicadeza sem parecer cafona ou dizer coisas sérias sem parecer pomposo.
81º – O tema do escritor autêntico é os seus problemas; o do espúrio, o de seus leitores.
82º – As letras necessitam, com frequência, de sangrias de adjetivos.
83º – Somente somos compatriotas de quem compartilha conosco o mesmo repertório de referências.
84º – A ciência política é a arte de dosificar a quantidade de liberdade que o homem suporta e a quantidade de servidão da qual necessita.
85º – Quando os escritores de um século não conseguem escrever senão coisas tediosas, os leitores mudamos de século.
86º – Não pretendi alcançar o rigor de uma doutrina, mas a flexibilidade de uma atitude.
87º – Os intelectuais, ao morrer, vão ao limbo.
88º – A poesia não tem lugar no mundo.
É um resplendor que se infiltra por suas fendas.
89º – A verdade deve ser despida, não esfolada.
90º – As universidades são o lixão das letras.
91º – As guerras intelectuais não são vencidas por exércitos regulares, mas por franco-atiradores.
92º – Só invejo à riqueza sua faculdade de nos alojar em largos aposentos silenciosos.
93º – O mal não é mais interessante que o bem, é só mais fácil de relatar.
94º – A imaginação não é o lugar onde a realidade se falsifica, mas onde se cumpre.
95º – Sou o asilo de todas as ideias desterradas pela ignomínia moderna.
96º – A sequidão de nosso estilo deve resultar do interno ardor de nossa chama.
97º – Escrever como se fala é um são preceito de retórica, quando a conversa é uma arte.
Escrever como se fala hoje em dia seria oscilar entre o balbucio e o grunhido.
98º – Os únicos bens preciosos do homem são as recordações florescidas na imaginação.
99º – No Medievo românico se fundem o Evangelho e a Ilíada.
100º – Enquanto um escritor não passar de moda não sabemos se tem talento.
101º – O escritor que se internacionaliza perde substância.
O escritor não está vocacionado a mudar de solo, mas de nível.
102º – Cada palavra deve estalar como uma compacta carga de sentido.
103º – Escrever para a posteridade não é ansiar que nos leiam amanhã.
É aspirar a uma determinada qualidade de escrita.
Ainda que ninguém nos leia.
104º – Não pertenço a um mundo que perece.
Prolongo e transmito uma verdade que não morre.
105º – A exclusiva leitura de contemporâneos resseca o cérebro.
106º – Quem meramente lê se distingue do autêntico leitor porque nunca relê.
107º – As revoluções só legam à literatura os lamentos de suas vítimas e as invectivas de seus inimigos.
108º – “Roda da fortuna” é alegoria melhor para a história que “evolução da humanidade”.
109º – Os grandes livros se defendem não parecendo grandes ao leitor que não elegem.
110º – A mão que não soube acariciar não sabe escrever.
111º – Do importante não há provas, somente testemunhos.
112º – Os problemas metafísicos não acossam o homem para que os resolva, mas para que os viva.
113º – O estilo é ordem à qual o homem submete o caos.
114º – O mito não encobre teorias, delata o seu fracasso.
115º – A palavra não se nos foi concedida para expressar nossa miséria, mas para transfigurá-la.
116º – Quando dizemos que as palavras transfiguram, o tonto entende que adulteram.
117º – Ser estúpido é crer que se possa fotografar o lugar cantado por um poeta.
118º – A tradição não é texto, mas maneira de lê-lo.
119º – Hoje em dia se escreve de preferência o esperanto em todo idioma.
120º – Os leitores do escritor reacionário jamais sabem se convém aplaudi-lo com entusiasmo ou pisoteá-lo com raiva.
121º – Toda utopia exala o tédio de uma tarde de domingo suburbano.
122º – O homem sai menos à caça de verdades que de escapatórias.
123º – A absoluta honradez intelectual é mais rara que o gênio mesmo.
A todos nos remorde, ao menos, um adjetivo impróprio.
124º – Os quadros aceitáveis abundam, mas nenhuma literatura possui mais que um punhado de poemas.
125º – Desconfiemos mais da demonstração articulada que da intuição transbordante.
126º – Ler Nietzche como resposta é não entendê-lo. Nietzsche é uma interrogação imensa.
127º – O intelectual não é o que pensa, mas o que opina.
128º – A verdade talvez consista em não pensar como determinadas pessoas.
129º – Hoje o indivíduo tem de ir reconstruindo dentro de si mesmo o universo civilizado que vai desaparecendo ao seu redor.
130º – Ensinar literatura é ensinar o aluno a crer que admira o que não admira.
131º – As línguas clássicas têm valor educativo porque estão a salvo da vulgaridade com que a vida moderna corrompe as línguas em uso.
132º – O autor estima em sua obra geralmente o que menos importa.
133º – As ideias envenenam ao cristalizarem-se em fórmula.
134º – Não ser orador é não poder falar senão do que se sabe.
135º – Ainda que se seja contra o idioma intelectual de um tempo não se pode escrever senão nele.
136º – Chamamos tradição a possibilidade de ler um texto sem ignorar suas ressonâncias clandestinas.
137º – O mito corrige a precisão do conceito.
138º – A ideia inteligente desliza intacta por entre as mãos da maioria dos leitores.
139º – A riqueza de um idioma depende do número de inteligências que tenham enriquecido o significado de suas palavras escrevendo-o com talento.
140º – A erudição tem três graus: erudição do que sabe o que diz uma enciclopédia, erudição do que a redige, erudição do que sabe o que uma enciclopédia não sabe dizer.
141º – A genealogia importante é a dos antepassados intelectuais que adotamos nos esforçando para que nos adotem.
142º – O passado parece não haver deixado herdeiros.
143º – O que permite suportar os demais é a possibilidade de convertê-los em relato.
144º – Mais que em certas verdades aparentemente óbvias deve-se confiar na repugnância que despertam certos erros.
145º – O desaparecimento do campesinato e das humanidades clássicas rompeu a continuidade com o passado.
146º – O trabalho intelectual destes países tem nível de tarefa de aluno em universidade de terceira categoria.
147º – Os reacionários somos desafortunados: a esquerda nos rouba ideias e a direita vocabulário.
148º – Nada debilita tanto a percepção de um valor quanto a tentativa de lhe demonstrar.
149º – O erro é menos perigoso que a extensão indevida de uma verdade evidente.
150º – Para entender convém primeiro simplificar com atrevimento e depois complicar sem misericórdia essa simplificação.
151º – Platão desconcerta aos historiadores da filosofia, porque ao invés de se encontrarem diante de um sistema tropeçam em um sorriso inteligente.
152º – Com o interlocutor a cortesia consiste em ser reticente e com o leitor em ser franco.
153º – À literatura só pertence o texto que conseguimos imaginar prolongado em música.
154º – Um leitor experimentado fareja desde o primeiro adjetivo um livro podre.
155º – A alusão deve se dissolver no texto como uma essência na água.
156º – O erudito sabe o que se pode saber sobre um tema; o intelectual sabe sobre um tema o que é de moda saber.
157º – O mais perigoso analfabetismo não é o de quem desrespeita todos os livros, mas o de quem os respeita todos.
158º – Aperfeiçoemos a insolência de nossas ideias.
159º – Enquanto não cometem a imprudência de escrever muitos homens públicos se passam por inteligentes.
160º – O homem solta de imediato as verdades que capta como se lhe queimassem a mão.
161º – Aquele que tem a paciência de ler um livro pornográfico desperta minha admiração e minha curiosidade.
162º – As ideias com menos de mil anos não são plenamente confiáveis.
163º – O fragmento é o meio de expressão de quem aprendeu que o homem vive entre fragmentos.
164º – O homem não se comunica com outro homem senão quando um escreve em sua solidão e o outro o lê na sua.
As conversas são ou diversão ou trapaça ou esgrima.
165º – O mito é um estrato de significado além da realidade e da ficção.
166º – Há verdades que murcham se as expormos ao Sol com frequência.
167º – Aprender a morrer é aprender a deixar morrer os motivos da espera sem deixar morrer a esperança.
168º – Enquanto o que escrevemos não parecer obsoleto ao moderno, imaturo ao adulto, trivial ao homem sério, temos que recomeçar.
169º – Em todo utopista dorme um sargento de polícia.
170º – A poluição conceitual do mundo pela mentalidade moderna é mais grave que a do meio ambiente pela indústria contemporânea.
171º – Acusar o aforismo de não expressar senão parte da verdade equivale a supor que o discurso prolixo pode expressá-la toda.
172º – A literatura grega, em grande parte, foi uma literatura colonial.
173º – Mantenhamos a confusão verbal entre estética e ética. Que feio signifique sempre algo mal e mal algo feio.
174º – A alusão é a única maneira de expressar o íntimo sem adulterá-lo.
175º – O hermetismo de certos textos atuais não é mais que a couraça de um vazio.
176º – Deve-se lutar abertamente contra o idioma em que escrevemos para não ceder senão às suas profundas exigências.
177º – A quem se tem de definir certos termos tem-se de falar de outra coisa.
178º – Inútil explicar uma ideia a quem não basta uma alusão.
179º – A verdade reside na zona indecisa onde princípios opostos se entrecruzam e se corrigem reciprocamente.
180º – Um arquivo nutrido, uma biblioteca imponente e uma universidade séria produzem hoje esta avalanche de livros que não contêm um erro, nem um acerto.
181º – O intelectual que lê os autores que cita deixa de sê-lo.
182º – As palavras não decifram o mistério, mas o iluminam.
183º – Evitar a repetição de uma palavra é o preceito de retórica predileto de quem não sabe escrever.
184º – Só o sopro do verbo varre o pó que torna as coisas opacas.
185º – Só as obras do pessimista inteligente não soam ocas de imediato.
186º – Os livros têm destino aziago: esquecem-nos ou estudam-nos.
187º – O vulgo trata com acertada discrição o escritor ilustre: celebra seu nome e ignora seus livros.
188º – Um congresso de “filósofos” enternece.
189º – Odiar o demagogo caracteriza o clássico grego.
190º – Quem não crê em mitos crê em patranhas.
191º – Um platonismo existencial e um historicismo agostiniano.
192º – A leitura abobalha o bobo.
193º – A única pretensão que tenho é a de não haver escrito um livro linear, mas um livro concêntrico.
194º – Grande escritor não é o que carece de defeitos, mas o que consegue que seus defeitos não importem.
195º – Mais que uma proposição impessoal, a verdade é uma maneira de pensar e de sentir.
196º – Nada é suficientemente importante a ponto de não importar a maneira como esteja escrito.
197º – Em todo sistema filosófico há um lugar secreto onde a rigidez do raciocínio se quebra, onde a continuidade do pensamento se rompe.
198º – Só se pode reler o que sugere mais do que expressa.
199º – A cada tantos anos sobrevém um folheto que sepulta bibliotecas.
200º – Mais que a estupidez mesma o irritante é um vocabulário científico em sua boca.
201º – Sem leitor inteligente não há texto sutil.
202º – Tradição, propaganda, casualidade ou conselho escolhem nossas leituras. Nós só escolhemos o que relemos.
203º – O que engana sobre a qualidade estética de certas obras novas é que sua maneira de ser ruim difere da maneira tradicional de sê-lo.
204º – Para expressar com nitidez evidências simples, a humanidade atravessa séculos de balbucio.
205º – Enquanto os contemporâneos só leem com entusiasmo o otimista, a posteridade relê com admiração o pessimista.
206º – As ciências naturais podem ser adequadamente cultivadas por escravos; o cultivo das ciências humanas necessita de homens livres.
207º – Espírito romântico e forma clássica. A obra que mais se aproxima dessa fórmula, em qualquer arte, é o fato estético que mais me seduz.
208º – Enquanto mais se insistir em traduzir um mito em ideias, mais se afasta de sua verdade.
209º – Escrever é muitas vezes ineludível; publicar é quase sempre impudico.
210º – Na Antiguidade não existiu o que hoje se chama de filosofia; e o que então se chamou de filosofia não existe hoje em dia.