– Tradução e comentário por Pedro de Almendra
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SONETO LXXII – William Shakespeare 1.É uma tradução minha, mas, caso o leitor não goste dela, o que não me ofende, nem há de prejudicar nossa amizade, ao final do texto está o original.
POR QUE cobrir meus versos de poeira
Em vez de os pôr ao sol e a novos ares?
Por que conservo a minha arte alheia
A outro jeito de louvar-te os lábios?
Será meu dicionário tão restrito,
Que no início de mais um soneto
Já se conheça a rota previsível,
Com que conduzo a rima ao seu desfecho?
Ouve, querida; é a ti que sempre canto,
Teus olhos e o Amor são meu pretexto;
E no meu verso não se conta um ano
De quando te escrevi a vez primeira:
O sol é velho e novo a cada dia
E meu amor é outro ao repetir-se.
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No soneto 76, Shakespeare confessa ao leitor (no caso, à amada a quem escreve) que não fez senão repetir uma velha fórmula em todos os seus poemas e que só escreve sobre um único tema. Este poema, como os outros 75, é só mais um soneto de amor em nada distinguível do restante . Seu verso está coberto de poeira, e não conta, fato que afirma com certo orgulho, com recurso inusitado, sofisticação ou inventividade alguma. Pela primeira linha já é possível prever a última, mas, entre elas está escondida uma verdade profunda acerca da “canção de amor” — a tradição de Petrarca e Leonard Cohen.
Quando Shakespeare escreve “O know sweet love; i always write of you” (Ouve, querida: é a ti que sempre canto), o “sweet love” empregado não se restringe, necessariamente, a somente uma pessoa. Vinícius, que foi casado nove vezes, não mente quando diz que cada verso seu foi para “te contar que eu sei que vou te amar” 2 A ironia dessa música se revela pelo uso do acorde diminuto, bem empregado por Tom Jobim. Em vez de crescer com a letra, no momento em que se pronuncia o verbo “amar”, é utilizado um acorde diminuto, que faz a melodia decair em uma nota de tensão e de dor – mudou a endereçada, claro está, mas não o percurso do verso; a maneira de chamá-la. Sejam quantas forem suas paixões anteriores ou seguintes, Shakespeare sempre escreveu a uma “você” e a uma “querida”, pois ele sempre a chamou por querida — como poderia chamar por meu bem, por morena, ou, caso fosse carioca, por gostosa. É em perfeito espírito shakespeareano que John Mayer, mais famoso por seus acordes impossíveis do que por suas letras, escreve, em deboche àquela que o deixou aos prantos: “i’m gonna find another you” (Hei de encontrar outra Você).3 É digno de nota que ele escreva “Another you” e não, como em uma famosa música melosa da década passada, “someone like you”. . Robert Frost, por sua vez, não pensa em nenhum apelido e pede desculpas pela pobreza vocabular: “Sorry to have no name for You but You”. Ao chamar a amada por um nome genérico, o poema escrito a uma serve à seguinte sem que uma rima precise ser desfeita.
Em linhas gerais, as canções de amor são todas parecidas: fala-se em vento, em saudade, em dor no peito. De novo segue o dó ao ré menor. Os olhos da mulher são como o sol; é sempre noite quando se sai à sua procura; e faz chuva e relâmpago quando ela se despede. As palavras nunca mudam, as notas nunca mudam; mas as histórias a que ilustram, umas tristes, outras felizes, são, na perspectiva dos envolvidos, todas inexplicáveis e singulares. Seja sob o sol poente, seja sob a lâmpada fluorescente de um escritório: diz-se “eu te amo” e promete-se, à revelia da razão – que àquela hora é censurada como um instinto blasfemo – amor eterno.
Quando a promessa se revela falsa, e o romance se encerra, resta pedir, inutilmente, que o vento leve longe o som choroso da viola, e a traga de volta.
“Volta no vento, ó meu amor,
Volta depressa por favor”( Madredeus, Haja o que Houver)
“There is a wind that blows in from the north
And it says that loving takes its course
Come here, come here, come here, come here.” (Kath Bloom, Come Here) 4 Na brilhante versão em português da música, por Elton Mesquita: “Há um vento que sopra e diz/ Não demora, eu ando infeliz / Vem cá, Vem cá”
Quando ela se recusa, é suficiente pedir por uma lembrança:
“Vento que balança as praias do coqueiro
Vento que encrespa as águas do mar
Vento que assanha os cabelos da morena
Me traz notícias de lá” (Dorival Caymmi, Prece ao Vento)
Às vezes ela aparece no vento, como se respondesse a invocação de seu fiel:
“Hoje que a noite está calma,
E que minha alma esperava por ti,
Apareceste afinal, torturando este ser que te adora:
Volta, meu amor, fica comigo, só mais uma noite.” (Waldick Soriano, Torturas de Amor)
Outras vezes ela imita o Deus do antigo testamento, e manda pragas porque o rito a ofendeu:
“I lit a thin green candle
To make you jealous of me
But the room just filed up with mosquitoes
They heard that my body was free” (Leonard Cohen, One Of Us Cannot Be Wrong) 5 “Ascendi uma vela esverdeada/ Para que sintas inveja de mim/ Mas meu quarto encheu-se de moscas/ Meu corpo, elas sabem, está livre”
Eis o que importa notar: o verso de amor é, acima de tudo, um pedido e uma invocação. É uma prece, uma reza, e, por isso, convém que siga uma fórmula mais ou menos previsível e genérica. A Ave Maria pode ser rezada uma vez ou cinquenta, ou cento e cinquenta. E a Salve Rainha deve se assemelhar à Ave Maria. Rezamos, superficialmente, a mesma coisa, todos os dias. Em um sentido mais profundo, porém, toda prece é única, pois mudam os pedidos, e mudam os corações. A canção de amor, como uma prece, deve poder nos acompanhar em todos os momentos; caso faltem-nos palavras, doces ou amargas, ela nos dá uma fórmula eficaz, se não para dizer o que se sente – façanha impossível – , para denunciar, apontar, emoldurar.
É verdade que a repetição pode ser falsa, que um bom malandro pode dizer um verso romântico apenas para se dar bem numa noite de pagode. Mas o verso pode ser dito com sinceridade também. O “eu te amo” serve aos românticos e aos pegadores. A Ave Maria serve aos santos e aos pecadores. E serve mais de uma vez. E de novo, e de novo. Serve, de modos distintos, à mesma mulher que se amou na juventude e se ama, de novo, passados cinquenta anos de casados. Repetir não é mentir. Inovar não é ser sincero. Assim como “o sol é velho e novo a cada dia”, a paixão será outra “ao repetir-se.” E não é esse, afinal, todo o mistério do amor? Que é único e banal? Que é novo e sempre o mesmo? Ou por outra: que é fogo, mas arde sem se ver?
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SONNET LXXVI
Why is my verse so barren of new pride?
So far from variation or quick change?
Why with the time do I not glance aside
To new-found methods, and to compounds strange?
Why write I still all one, ever the same,
And keep invention in a noted weed,
That every word doth almost tell my name,
Showing their birth, and where they did proceed?
O, know sweet love, i always write of you,
And you and love ares still my argument;
So all my best is dressing old words new,
Spending again what is already spent:For as the sun is daily new and old,
So is my love still telling what is told