“Vai, Musa, faz jorrar tua poesia!”- três sonetos de Roberto Neves


I.  

Vai, Musa, faz jorrar tua poesia! 
Poupa-me do trabalho de cantar,
Pois já me falta idade, falta o ar,
E o Amor já não me faz o que fazia.  

Para que não seja em vão tanta agonia 
E sobre algo de mim neste lugar, 
Dá, Musa, à minha história tão vulgar 
Tua límpida e divina melodia!  

A Musa não responde, a noite vem,
E a mim, só resta mesmo este rascunho 
Que leio, já sem muita convicção, 

Tentando acreditar que fiz um bem
Criando esta canção, de próprio punho,
Na mais perfeita e humana imperfeição.  

(25/04/2022) 


II. Dois Tigres  

Anda firme – dois tigres vão contigo.
O primeiro persegue-te agilmente,
E o outro (vê seus rastros!) vai à frente.
Não existe, entre os dois, menor perigo.  

Se demorares muito em teu abrigo,
O que te segue alcança-te, inclemente.
Se tratares tua rota indocilmente,
Encontrarás no outro o teu castigo.  

Quais duas feras te impõem esta vil dança,
Na qual um passo em falso te condena
E não andar é igual fatalidade?  

“Contenho-me – Ou morro de Esperança.”
Tu ris, sumarizando a dura pena:
“Apresso-me, ou sucumbo à Saudade.”  

(21/11/2021)


III. Batismo em Petrópolis (Três Pedros)  


Abra bem os seus olhos, Pedro, e veja 
A força destas rochas empilhadas. 
Quantos corações vis e almas cansadas 
Não foram perdoados nesta Igreja?  

Nela jaz outro Pedro, rei servil
Que assumiu com altivez a empreitada
De ter a vida inteira dedicada 
A Deus, e às pessoas do Brasil.  

Que a lição desta vida, assim doada
Seja a canção que anima a sua estrada:
Leve também sua cruz com galhardia.  

São Pedro – ouvi a prece deste dia:
Mostrai a este Pedro pequenino
Que todo rei e santo foi menino.  

(09/04/2022)