Recompensa e outros poemas – por Rafael Souza

—por Rafael Teixeira de Souza

RECOMPENSA

Ninguém roubará aquilo que é teu.
Seja lá o que façam, não importa,
pois só tu sabes o quanto valeu
e o quanto bateste em janela, em porta,

até uma se abrir… O quanto ardeu,
só tu sabes — e tua mãe que, absorta,
tanto esperou por ti, pobre plebeu,
e cantarola, adubando-te a horta.

Ela e tu sabem… Vai lá e desfruta:
come agora com ela aquela fruta,
ambos à mesa, como quem, na Ceia

de Da Vinci, se lambuza, e daquilo
ri, e confabula, com rejubilo —
sem (porém) cobiçar a coisa alheia.

PERSPECTIVAS DO ALÉM

O que são os nove meses em face
de uma vida inteira? O que são uns poucos
ais e choros, se depois que se nasce
todas as manhãs uns canários roucos
nos vêm chamar, na varanda de casa,
para o novo dia que, radiante,
ora nos convida, ora nos arrasa,
porque para isto fomos ao mirante
e a ele regressamos, sob o vezo
dos castigos e das horas urgentes?
Para lá se vai; não se volta ileso;
o cão raivoso nos crava os dentes
na carcaça. E nos tornamos um ser
muito além do que podíamos ser.

UM POUCO DE SAUDADE

Se sumi algumas vezes —
quero que me compreendas:
a esta altura não deve haver mais segredos entre nós —
é porque era necessário…

Não queria que o que sentimos
caísse no marasmo dos lugares-comuns,
aquilo por que tantos desistem aparentemente sem motivo.
Entenda que, enquanto estive distante, planejava as coisas mais delicadas para ti.
Por isso troquei as flores, os papeizinhos perfumados, os chocolates…
No fim de tudo, cá estamos nós…
E a conclusão a que chegamos
é que, não obstante provoque dúvida,
um pouco de saudade para quem ama, meu amor, faz bem.

DESEJO

Que eu não venha nunca a perder esse assombro
esse fascínio pelas coisas aparentemente insignificantes
pelas borboletas
pelos risos mais naturais
pelas codornas recolhidas em seus ninhos
e até pelos ratos que tanto causam repulsa.
Que eu possa manter esse toque de Midas nos olhos
e que o tempo não me faça mudar
mas que meu coração esteja sempre viajando
sem precisar sair do peito.

CINCO HAICAIS


O trem passa. Então
folhas caem. Já se vê
a nova estação.


Sementes comidas
pelo passarinho: fezes
que, enormes, florescem.


— É pouco — alguém diz.
— Não — lhe respondem. — Basta isso
para ser feliz.


Num espelho d’água
a libélula se encosta,
sai — e o despedaça.


Escrevo “silêncio”
na areia, à beira da praia —
e ele se desfaz.

Rafael Teixeira de Souza (1993) é natural de Pedra, Agreste de Pernambuco. É mestre e cursa doutorado em Literatura na UnB. Nascido e criado na região rural do município, já publicou três livros de poemas: O âmago das coisas, Só os objetos amadurecem sem cair e Reinvenção dos pássaros. O convívio com a natureza e o dia a dia no campo é a base de sua produção poética. Os poemas aqui presentes encontram-se num livro inédito, que ainda está sendo escrito e tem o título provisório de Poucas Gotas, à Sombra.