Três Explicações do Chamado – poemas de Raíssa Correia

-por Raissa Correia*

(Primeira explicação do chamado)


Porque estás sozinho
porque és a urgência das aves migradoras
porque não mudas
e te impões na rotina dos amantes
mas a tua voz é plena e pulsante como
um ruído familiar
atravessando a porta ao candelabro


Porque estás à véspera das perguntas difíceis
já não me espanta a tua silhueta
na figura dos homens
No entanto, quem és tu que abate a beleza,
para recuperá-la na face de outrem?
e tudo constrange para não respondermos
para retermos a palavra indizível


Porque és terno quando te escuto e terrível
na mesma medida
quando lanças o teu vazio sobre o mundo
porque talvez só as crianças saibam colher
a tua vinda
à espreita, com as janelas abertas
e o coração na boca


Como responderíamos, noite adentro,
um louvor que já não fosse a natureza
exposta?
Porque tocas o destino das rosas
para que possam sentir, enfim, os vivos
e alongar em nós mesmos o seu idioma


Porque estás escrito sobre os lábios
dos mortos
Eles sim, desaparecem, cheios do teu sangue
e toca-nos com a tua eternidade
confundindo nossa substância entre eles,
onde tudo é despedida
onde nada mais se modera


Porque és o primeiro sob o rascunho
da saudade
porque é ousado dizer-te que te amo
e assim mesmo suporto não ser mais a que fui
antes de ti
Porque já não fujo
porque és fecundo

e me chamas pelo nome.

(Segunda explicação do chamado)


Antes de tu me cegares,
pude ver o único feixe de luz
queimando-me a retina
Também tive tempo para descalçar os pés
e pisar finalmente na tua terra árida
Conheci o lugar de onde a tua voz chamava
era noite
e já não haviam homens, nem casas
só os teus braços
e a escuridão que abraçava
o entremeio deles


Entrei na tua noite sem conhecer a pulsação frágil
das sombras
descobri-me repleta da fome
que uma criatura jamais poderia saciar
e era assim, descoberta, que tu me conheceste
para ti era noite de núpcias
Para mim, era necessário ser o mecanismo
imediato do silêncio
comê-lo com a boca ressequida
diretamente das tuas mãos jorrando sangue novo
até que tu finalmente removeste também o solo


Soube como é ser arremessada
sem materiais que reverberam
Era eu desta vez o feixe
E ia, voluntária, contra a luz da casa terrestre
demolida
pois era isso que querias – toda a casa despojada
como a noiva que te aguarda
sem trajes de fogo
mas de carne.

(Terceira explicação do chamado)

O homem é, por fim, um peregrino
que deseja nos pés as feridas
mas falta-lhe ainda os joelhos endurecidos
o chão firme a passos no escuro
porque o que sabe do céu ainda é pouco


Queria eu te amar como um homem
mas precisaria ainda atravessar
todas as cortinas da morte
e, uma por uma, andar feito um moribundo
sem o conhecimento do tempo


Só peço que me afaste da constância
de quem constrói a casa para reclinar a cabeça
e dá-me somente o repouso no teu sangue
que pulsa


Pois é assim que o homem vive
quando abrem-se as tuas chagas
começa no próprio coração a tua fonte
para trabalhar a partir das margens


É assim, sem habitação noturna
que conhece somente umidade do solo
e das águas percebe o caminho
que dispersa as palavras
até a boca


Então o homem escuta as batidas que
vêm delas – e te vê.

Raissa Correia vive em Jundiaí – São Paulo. Em seu instagram @raipdroso compartilha resenhas literárias, poemas e também ilustrações.