Poemas de Natal (2022) – contribuições de Igor Barbosa, Roberto Neves, João Luciano, Pedro de Almendra e João Filho

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PRESÉPIO 

A estrela se avizinha
e o mundo vira um vértice
pra descida do Eterno,
o tempo se recolhe.
Anjos em ladainha
transluzem semibreves
São José é o silêncio,
a Virgem é uma prece,
o boi é pensamento,
o carneiro subscreve,
o Menino – todos sabem:
tem nas Mãos o universo.

por João Filho

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Soneto de Natal

Não te vás enganar co essa criança
que agora dorme fundo entre os carinhos
da palha avermelhada (sangue e espinho)
e do amor de sua mãe que, numa manta

suave, lhe vai rápido abrigando.
Não te envolvas tranquilo nesse sonho,
porque se a melodia do seu ronco
for súbito rompida, e se em pranto

ele desperta e atrita suas gengivas –
é o mundo que esperneia em suas braçadas.
Olhai-o tremer, lede seu suspiro,

em cada gesto há verbo e substantivo
profecia entre lágrima e golfada:
“não vim trazer a paz, eu trouxe a espada.”

por Pedro de Almendra

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Lucas 2:8-11


Foi por detrás dos montes: um rumor
de música distante, e um clarão –
Como se a noite fosse dia e não
outra noite na vida de um pastor.

E então, de novo o escuro e o torpor,
até chegar gritando meu irmão:
Desceram mil anjos do céu, João!
Nasceu o Cristo, nosso salvador!

Mas para nós? Que pecamos sempre e tanto?
O Cristo? Por que hoje? Por que aqui?
E como a salvação sem merecê-la?

Não tenhas medo, irmão, seca teu pranto.
E vamos à cidade de Davi,
é para todos a luz daquela estrela!

por Roberto Neves

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Glória em Cara de Miséria

Vede o menino, pobre e empalhado,
na sombra de um lugar empobrecido,
Rei que pra reis foi nobre e esquecido,
Senhor que padeceu, foi sepultado

Notai como de um núcleo irradia,
do quadro dos viveres, da vida Sua,
a vida atribulada, minha e tua
que logo se apressa em tê-Lo guia

Assim O lembram quadros e gravuras,
O têm por molde mil santos e santas,
na cruz, no mar, no horto e em tantas
chagas fundas. Feridas sangram puras!

Sois, no berço, o sustento da matéria
Inda me aquece o molde que criaste
Tiveste, na cruz, dor que almejaste
E no fim Glória em cara de miséria!

por João F. Luciano

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Miserere Nobis

Vamos, Jesus, agora ver as feras mansas
do jardim zoológico que há no meu peito;
vamos ver, pelas grades, o espaço estreito
em que elas se amontoam; vejamos as danças
do que é corpo, e que eu menos que elas aceito,
esquecendo que o corpo sempre é uma criança.


E quando elas vierem, Jesus, mais ferozes,
querendo me levar pela mão distraída,
ganhar-me pelo ventre (sem ter dentro vida),
tomar-me pelos olhos com a cor das vozes,
não me deixes sozinho, e a campanha é perdida:
enche-me as mãos de ti, e a minha boca cose.

Vamos, Jesus, agora – que hoje é feriado,
subir uma montanha: a dos meus pensamentos,
montanha feita de tesouros e excrementos,
morro de lama dura e ventos afiados;
subamos metros mil, mil e cem, e duzentos,
a ver se Cristo é mesmo Rei no Corcovado.

Vejamos se, levando-te eu pelas mãos,
reconheçam os homens, vendo-nos passar,
(e como reconhecem isso sem pasmar?)
que és o filho da Senhora Conceição.
Vejamos, e eu procurarei, talvez, lembrar,
se em mim há um livro da primeira comunhão.

Ó meu Jesus, que nem posso chamar de meu,
Jesus que maiorzinho não deixei ficar,
Jesus que eu agredi com fogo, terra e ar,
Jesus, que no conforto o meu peito esqueceu:
Jesus, que chamo apenas para ignorar,
sabes mais coisas que nós todos: Que sei eu?

“Nada mudou! Como está forte! Boas cores!”
Eu ouço em eco; e adiante segue o coro,
mas quando enfim chega a minha vez de pôr o
coração ao dispor da morte e das dores
e não largar a tua mão, rejeito o soro
antiofídico que dás. Amém, Senhores!

Ó meu Jesus, se eu te deixar ficar assim
bem maiorzinho, que eu não cresça em proporção:
hás de caber melhor num velho coração
que tenha se encolhido; e eu quero, para mim,
ter a coragem de pedir-te sempre a mão
e de negar-me, te dizendo sempre “sim”!

por Igor Barbosa