Lidiane

– por Gabriel Coelho Teixeira

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Foi, se não me engano, na sétima séria do ginásio que conheci Lidiane. Chegou novata no colégio, diferente de mim que estudava ali desde a infância.⠀⠀⠀⠀

Ainda hoje me lembro da sua aparência. Loura – se natural, não sei –, a pele clara com tons de rosa. A cabeça era pequena e as bochechas sutilmente pontuadas por espinhas que em nada comprometiam a beleza do rosto.

Era magra, de uma magreza enxuta, não esquelética. Rígida, durinha. O que destacava seus seios: velados pelo tecido fino da camisa do uniforme, ressaltavam, firmes, como maçãs encobertas num cesto para proteção contra as moscas que rodeiam. Assim velados, insinuavam toda a sua dureza. Dureza que nunca constatei de fato como queria, pois jamais pude apertá-los.

Mas pude senti-los.

Lidiane era mais velha do que eu, mais experiente do que eu. Mulher passos à frente do menino. Sabia da paixão que eu nutria por ela, do constrangimento que em mim impunha sua presença. E tirava proveito disso.

– Depois do recreio vai ter prova. – Dizia, perto demais – Se me der cola, te dou um beijo na boca.

Mais tarde na sala, pouco antes da avaliação, sentava-se atrás de mim. Quando a professora ordenava que guardássemos os cadernos e que dispuséssemos de nada além de lápis, caneta e borracha, Lidiane debruçava-se por sobre sua mesa, se estendia até mim, abraçava-me com o braço fino e branco por sobre um meu ombro, no outro deitava o rosto próximo ao meu. E reiterava.

– Se me der cola, te dou um beijo na boca.

E era então que eu sentia a rigidez de seus seios, duas esferas firmes pressionando minhas costas.

Dessa proximidade vinha ainda o cheiro. Cheio inigualável de Lidiane. Específico, único. Todas as vezes em que ela se aproximava, eu me preparava para receber aquele cheiro. E ele vinha exatamente como eu o sentira antes e de novo, minha memória nunca falhando em reconhecer que aquele era precisamente o cheiro de Lidiane. Esse cheiro!

Assim coagido, o pedido era sempre atendido, a cola sempre dada e o prêmio repetidamente postergado.

– Agora não… Depois… No recreio… A professora tá olhando… Já tenho que ir… Amanhã.

Até que chegava o dia de uma outra prova.

– Se me der cola nessa, te dou aquele beijo, juro.

Em seguida.

– Agora não… Depois… No recreio… A professora tá olhando… Já tenho que ir… Amanhã.

(Dissimulada, esperta, safada, vadia… Devia achar que eu era palhaço.)

E talvez eu fosse mesmo.

Certo é que sempre estive abaixo de Lidiane. Ela era mais velha do que eu, mais madura do que eu, mais mulher do que eu era homem. Cola na prova era tudo o que eu podia proporcionar. Pro mais, ela buscava outros, mais velhos do que ela, mais maduros do que ela.

– Quem é aquele? – Perguntou, uma vez, toda eriçada, quando viu um certo aluno da oitava série.

Era o Davi. Alto, moreno, encorpado, mais velho do que ela, mais maduro do que ela. (Se eu  fosse ele…)

A convivência com Lidiane durou por mais um ano. Depois da formatura da oitava série, fomos para colégios distintos cursar o Ensino Médio. Ver Lidiane não seria mais parte do meu dia a dia, a marca do seu cheiro desapareceria da minha memória, como desapareceria qualquer vestígio de esperança da promessa de seus beijos. (Devia achar que eu era palhaço…)

Uma única vez vi Lidiane depois disso. Haviam-se passado alguns anos. Eu andava no centro comercial do bairro quando reconheci à frente sua figura vindo em minha direção, passos apressados, roupa formal, cara estressada. Devia estar atrasada pro trabalho ou saindo de lá. Passou por mim sem me ver, e se visse certamente não reconheceria. Parei. Voltei-me para ela alguns segundos, olhando-a pelas costas, apressada, parecendo estressada. Desapareceu na multidão.

Uma única vez tive notícia de Lidiane depois disso. Por meio de uma colega de turma.

– Cara, ela morreu.

(Como morreu?!)

– Parece que de câncer.

(Como?!)

– Me contaram.

(Não pode ser…)

Desde então nunca mais soube de Lidiane.

A paixão que tive por ela tinha amenizado com o tempo. Fora amor de adolescência. Mesmo assim, quando ouvi a respeito de sua morte, doeu como se eu a tivesse voltado a amar. E mesmo agora, relembrando essa história, dói como se eu a amasse de novo.

Lidiane. Como a amei quando a amei.

Só podia esperar que fosse equívoca a notícia vinda pela colega de turma. Que não tivesse passado de mal-entendido. Que tivesse entendido errado. E que Lidiane passasse bem, onde quer que estivesse, com quem quer que estivesse.(Não pode ser…)