Quatro sonetos de Igor Barbosa

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Igor Barbosa, Pernambucano morando no Rio de Janeiro, é poeta, editor e tradutor. Em poesia, publicou Februarius (2018), pela Editora Mondrongo; Segundos (2019) e Poemas da Natal (2019), pela Editora ViV.

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LOUVOR METAFÍSICO E AUTOCONTRÁRIO DA PREGUIÇA


Caídos, como a luz caída sobre a lama,
deitados como a terra que cobre a semente:
Na condição horizontal, constantemente
a nossa mente se transforma numa cama
e a nossa pele num pijama. O insistente,
aquele que não pára de tramar a trama
em que não se não há de deitar nunca, o que reclama
e espera e pede e nunca dá descanso aos dentes,
não vê na pausa o que esta tem de penitente:
A sua causa é mais amar, mas quando ama
não dá descanso nunca: Em vez disso, exclama
o quanto estar e ser são noções excludentes.

Entre a moção e o repouso, o corpo chama
a que qualquer escolha seja inconsistente.

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A MORTE DE NINGUÉM NÃO PROVA NADA

A morte de ninguém não prova nada;
é tudo que, decerto, a todos vem,
é a coisa mais secreta e anunciada.
Não prova nada, a morte de ninguém.

Seja ao seio da mãe, ou ‘pós os cem,
a morte de ninguém, teorizada,
nada pode provar. E se ninguém
morresse, isso não provaria nada.

E entanto as nossas vidas, misturadas,
uma vez concluídas (mal ou bem)
serão prova bastante de que cada

segundo tem eternidade e tem
descanso no correr; e ainda em cada
segundo morre (e nada prova) alguém.

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OS CRIMINOSOS TODOS MORRERÃO

Os criminosos todos morrerão.
Também os santos, e os mentirosos,
o feio, o bonito, e os que não são
nem um nem outro. Cada  criminoso

há de morrer um dia: Ou na prisão
(Na cela ao lado, o santo.), ou entre gozos
todos os vagabundos morrerão
e, como os santos, deixarão só ossos.

Eu morrerei também; e os teus destroços
se somarão aos meus, na reunião
penúltima da tumba. Os nossos ossos

talvez, mais uma vez, se deem mãos
à espera do juízo, simples troços;
até os nossos ossos morrerão.

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TANTO CLARÃO CÁ FORA: ESPERO A VOZ

Tanto clarão cá fora: Espero a voz
que chamará meu nome, até então
jamais pronunciado. Iremos sós
naquela direção.

Então eu me erguerei (sem pé, nem mão?),
e apenas porque esperava a voz
serei então mais pássaro que cão
à margem de uma foz,

pássaro depenado e brincalhão
cujo voo renasce só após
dizer ao voo um não

em coro com a esperada voz,
dizendo, sem dizer (não digo, não!):
Já não estamos sós.

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