À hora do Quinto Mistério – poemas de Fernanda Boaventura

– por Fernanda Gonçalves Boaventura


À hora do Quinto Mistério

À hora do Quinto Mistério,
As crianças riscaram a casca tenra das nozes sobre a lareira;
A lenha queimava leal aos sobejos de tua visita pascoal.
Tua primeira morada envelhecia como um pássaro
Cujo canto não se distinguia do nosso riso. 
Mas o que se oferece à tua presença é à mercê das migrações.
E se a terra que não se vindima cobre o beiral da casa,
A chuva se precipita como uma eterna primavera 
Sobre a fronte ungida de teu recém-nascido.
Enquanto a criança dorme ante o ícone de São Simeão, 
Tu sais, pois, à janela, e, em voz baixa, diz ao céu,
“Também tu és uma criatura.”


O funeral de Iliúcha 

O que veio a ser antes do rastro dos pássaros? 
Antes que os círios fossem reunidos sobre o pequeno túmulo, 
O covil já estava aqui. 
Disseste, “Todas as criaturas tornaram-se como uma canção ininteligível.”; 
Tua mão pesava sobre a rocha. 
Tu te despedes alheio a um pedaço de pão, pensei. 
Na alameda das acácias, tinha os cabelos trançados;
E dezessete anelos ascendiam como aleluias à grande manhã.

À primeira noite

À primeira noite já estava morto o filho da tua serva.
Nunca mais habitaria entre nós a proa de sua barca,
O som de sua prece contra a maldição do rio.
Talhava no tronco a aproximação das chuvas.
Quando dormia ao relento como uma figueira crepuscular.
Mas, à segunda noite, ressoou no ar o relincho de um cavalo de sombras;
E, então, perguntei a ti a que distância pousam as águias
Quando as crianças brincam entre os negrumes de um oceano vazio,
Rumo ao florescer perpétuo das acácias. 
Não respondeste: pássaro vivo sepultando o seu voo 
Sob as luzes da sebe incendiada.

Repete-se o sonho

I

Repete-se o sonho, a mil léguas do corpo.
O nome das pedras não aprendemos, alheios à memória do mundo.
Amigo meu, corre para batizar a tempo o curso do rio,
À semelhança de um dilúvio anunciado aos pássaros.

II

Já eu, descasco os pinhões para a ceia,
Ouço a reza das senhoras que me penteiam os cabelos
À sombra do halo das rochas.
Mas antes que as crianças enunciem os seus pecados,
Deixam todas as suas casas.

III

Que não sejamos postos rumo à terra,
De costas ao Sacrário talhado nas vagas,
Onde abandonamos os nossos poderes.

IV

Impossível naufrágio da luz. 
Que olhos são anteriores a conhecer-te?
Que pureza escapa à minha invocação?
No sonho, nenhum anjo te anunciou
E, então, não apareceste;
Nem negaste o fruto ao ventre
Adormecido na região da distância.

Fernanda Gonçalves Boaventura nasceu em Belo Horizonte. Tem duas plaquetes pela editora independente Munganga, “Fac me tecum pie flere” e Ao fim de uma oração. O seu e-mail para contato é fernandagb526@gmail.com.