Heloísa

-por Matheus Bensabat

I

Amanda tirou o vestido e encostou o flanco no mármore, esticando o braço esquerdo. Olhou para o dorso da mão, muito branco, estendido sobre o porcelanato azul da pia. 

Abriu a torneira e o jato de água morna acalmou-a. Pegou o sabonete e passou-o pelas mãos, a formar espuma, e com a escova de unhas limpou as sujeiras presas às laterais, devagar, vendo-as escorrer pela superfície lisa. 

Em determinado momento, olhou atentamente para os dedos da mão direita, finos, quase infantis, e pela primeira vez desde que chegara, horas antes, notou alguns arranhões. Encobriu-os, inutilmente, com a espuma, como se quisesse escondê-los, e suspirou, forçando o maxilar. 

Com o rosto apoiado no antebraço, fechou a válvula e abriu a torneira até o limite. Derramou um pouco de sabonete líquido na água, após sentir o cheiro forte e agradável de capim-limão. As lágrimas escorriam lentamente enquanto olhava para a espuma que começava a se formar ao fundo — os pequenos castelos cresciam, pouco a pouco —, e enleava-se ao ouvir o suave barulho da água que imitava as cascatas da floricultura de Botafogo, cuja entrada possuía um lago ornamental em alvenaria e, logo acima dele, uma pequena ponte levemente arqueada, com amparo em formas geométricas, encoberta por uma quaresmeira que começava a desfolhar-se.

Pelo recuo das tábuas, distribuía aos peixinhos pedaços de pão, ajoelhada, apelidando-os com nomes de personagens da Disney. A areia branca, ao fundo, ampliava-os visualmente, destacando-lhes as formas. 

Heloísa, um pouco mais afastada, com o filho no colo, repreendia-a com o olhar, como se quisesse impedi-la de encostar as mãos na água. Da última vez, dera-lhe trabalho, empapando o vestido com os tapinhas que dava na superfície. 

Concentrada, via-os pendular, submersos, exibindo as nadadeiras alaranjadas. Os maiores tinham escamas amarelas e percorriam o lago lentamente; os menores, de escamas vermelhas e brancas, movimentavam-se cruzando os vasos de concreto cravados ao fundo. Observava, como se fosse a primeira vez, a movimentação dos filhotes. Não os havia notado anteriormente; pequenas massas cinzentas acompanhavam os maiores e, por vezes, afastavam-se deles para entrar debaixo das estacas, abrindo e fechando a boca: ínfimas bolhas d’água, unidas umas às outras, subiam em direção a ela, diáfanas como um colar de pérolas. 

A superfície vítrea refletia o seu rosto, e por meio dela conseguia ver também, sem olhar para trás, o pai e a mãe, que agora seguiam em direção ao caminho de pedra.

À medida que se distanciavam, uma estranha sensação de liberdade a invadia. Sentada, circunvagou o olhar para a parte de dentro, para o salão principal, que era também a recepção, onde um boneco de madeira partia lenha, movido por um cata-vento que impulsionava duas pás vermelhas. Mais adiante, em cima de um armário antigo, os caules de um jasmim-da-índia enrolavam-se, em espiral, nos dentes caninos de duas onças pintadas. A partir dali a variedade de flores e vasos de barro crescia aos olhos dos visitantes. As begônias, sob a lâmpada da estufa, tinham tal palor que se formava em volta delas um envoltório resplandecente.

Não demorou para que começasse a ventar. A mudança de tempo deu-se em minutos: nuvens carregadíssimas vinham de todos os lados, como se fossem cercar a cidade. 

Amanda encostou-se no amparo e manteve-se na ponta dos pés. Agora, olhava-os de cima, mas em pouco tempo cansou-se. Voltou a deitar-se sobre a ponte, os cotovelos apoiados na madeira, a ponta do queixo na palma da mão. 

Não se contentava em olhá-los, queria colocá-los num aquário, num canto da sala, como fizera Júlia, e assim mantê-los diante dos olhos, todos os dias. As cores e os seus relevos, vistos de longe — a mãe de Júlia não permitia que se aproximassem —, deixaram-lhe uma profunda impressão. Mas os peixes de Júlia, menores e sem graça, não tinham a beleza dos que via agora. Observando-os, visitava mundos imaginários, do mesmo modo quando olhava, pela janela do quarto, a Praia do Flamengo, as nuvens que formavam castelos, os barcos que aportavam na Marina da Glória ao entardecer, agrupando no mastro gaivotas a grasnar.

Dando-lhes o último pedaço de pão, recuou. Sentou-se de costas para a quaresmeira, pensativa, com o antebraço apoiado no vestido, os olhos fixos no cata-vento.

Após rodearem o caminho de pedra, aproximaram-se dela. Heloísa ofegava, parecendo desorientada; Maurício fumava um cigarro de cravo e canela, olhando para os fios de cabelo da filha.

— Mamãe, qual é mesmo o nome daquela coisa onde o peixinho mora na casa da gente? — perguntou, pausadamente. Por alguns segundos chegou a pensar que a mãe não a entenderia, e ao falar já começava a arrepender-se, com receio de que a corrigissem. Antes mesmo de terminar a frase já buscava a palavra exata, “aquário”, que daria sentido a tudo que já havia dito.

— Aquário, querida — Heloísa respondeu logo, colocando a chupeta na boca do filho. 

— A Júlia tem um. 

— Você também quer?

A mãe olhou para o marido que, fumando, ignorava-as, mirando as espadas de São Jorge. Em seguida, Maurício inspirou profundamente, apagou o cigarro na madeira e jogou-o no lixo, colocando as mãos nos bolsos. 

Escurecia. O lago tornou-se opaco, e Maurício, procurando as carpas entre os sapatos de couro preto, não as enxergava; via tão somente as linhas das barbatanas traçadas em zigue-zague, circundando os vasos de planta submersos como embarcações naufragadas. 

Heloísa aproximou-se dele, acariciando o filho. Rafael revolvia a chupeta na boca, esticando o braço em direção à irmã. 

— Daqui, vamos para a casa, é melhor. 

Olhou-a, inquirindo-a, como se tivesse sido ofendido.

— Queres sempre impor a tua vontade… — disse, elevando a voz.

— Não me afronte em frente às crianças! 

Pegou-a pelo braço, apertando-a, com uma fúria que a custo refreava. 

— Aqui, ouça: quem me afronta todos os dias é você! — abaixou o tom. — Cansei-me de ti e do menino.

Deu-lhe as costas, com as mãos nos bolsos, em direção à saída.

Amanda olhou rapidamente para os dois e voltou a encaixar o rosto entre as tábuas. Esticou-se toda e mergulhou a mão na água, tentando alcançar os peixes. 

— Maurício!

Retornou e levou-a ao colo enquanto ela sorria, reproduzindo os movimentos que fizera antes, agora nos ombros do pai, como se quisesse enxugar as mãos. 

— Vamos embora, Heloísa.

Laranjeiras. Túnel Rebouças. A pista molhada; as árvores desfolhavam-se, esculpindo-se nuas, expostas ao ar de outono. 

— Mamãe, e o aquário? 

Pensava no aquário, nos peixes que colocaria dentro dele, nas flores de plástico que iria distribuir em meio às pedras do fundo.

Heloísa não respondeu, olhava para os ombros do marido, para as mãos presas ao volante.

— Mamãe, a gente pode pegar aqueles peixes? 

— Não podemos.

— E se a gente comprar…

— Amanda, não insista. 

Maurício aumentou o volume do rádio para não ouvir a voz da esposa. Seguiam por Botafogo, e quando entraram no Flamengo começou a chover forte. Os carros seguiam vagarosos, ultrapassando bolsões d’água. 

Na garagem, abriu a mala e tirou o vaso de barro que colocariam na varanda. Heloísa aguardava-o em frente ao elevador, ao lado dos filhos. Subiram, calados. Heloísa foi para o quarto; Amanda seguiu-a.

Desviou a atenção da espuma e abriu a válvula. Estava há meia hora trancada no banheiro. Adiava o momento que seria obrigada a ir para a sala, onde encontraria os pais.

Mergulhou as mãos em conchas dentro da pia e lavou o rosto, com a intenção de tirar os resquícios de maquiagem. Afastou-se do mármore e, ao pegar a toalha, notou que em sua costela, um pouco abaixo do seio, um hematoma se estendia até a escápula. Assustada, tentou se lembrar do momento em que poderia tê-lo formado, o que se explicaria pelo modo como fora pressionada no tablado, possivelmente durante — ou depois — os segundos em que passara desacordada. Tirou o sutiã, enxugou os braços, vestiu um pijama bege e foi deitar-se. A mão ardia, as costelas palpitavam. Começava a sentir a dor que penetra bem profundamente.

De bruços, olhava para os barcos perfilados na Marina da Glória, à manhã de domingo. As velas-mestras oscilavam ao vento que vinha de Niterói, e, um pouco mais adiante, o Morro do Pão de Açúcar parecia ainda maior sob o céu azul. Puxou para si a coberta e por alguns segundos permaneceu imóvel, como se dentro dela se agitassem feridas ainda não cauterizadas. Adormeceu, bem devagar.

— Amanda! 

Acordou e sentou-se na cama, cruzando as pernas. Colocou as mãos na testa, sussurrando. Os seus olhos, naquele momento semicerrados, inspecionavam o quarto como se vissem os objetos pela primeira vez. Já não os sentia como se a pertencessem. Tudo ao seu redor, de uma hora para outra, perdera o significado, como se lhe tivessem arrancado um meio de perceber o mundo, de tornar íntimo para si mesma aquilo que amava. Para ela, a vida só existia através da indiferença, do silêncio e do receio. 

Responderia tão somente às perguntas da mãe, e se o pai saísse da sala. Do contrário, ficaria quieta. Não se sentia à vontade perto dele. Sua presença, muitas vezes, a intimidava ao ponto de constrangê-la. No fundo, sabia que o pai sentiria aversão a ela. 

— Amanda! 

E ouviu, seguidamente, a voz rouca.

II

Os pais aguardavam-na. Chegaram, também há pouco, de uma viagem a Poços de Caldas. Maurício trouxera garrafas de vinho, condicionadas em caixa de madeira. Olhava, do meio da sala, para o quadro Le Bal de l’Opera, de Henri Gervex, posto na parede em frente à mesa da sala de visitas. Passou por Heloísa, aproximando-se da moldura. Ergueu-a com muito cuidado, para se certificar de que não havia nada que o deslocasse, como uma possível deformação na parede.

Arrastava as sandálias de couro, esmiuçando a obra. Em pouco tempo cumpriria sessenta e três anos, e parecia angustiar-se com a ideia de que o curso da sua vida se fecharia tão logo. Começava a sentir, com maior intensidade, o peso de todos os anos a atuar sobre ele como um entulho, que custosamente tentava encobrir. Desde que fora transferido para o Rio de Janeiro, dez anos atrás, pensava muito nos erros da juventude; remoía-os quase todos os dias, e ainda os mais recentes, dos quais não se arrependia inteiramente — por não compreendê-los —, mas que já começavam a incomodá-lo. Do que vivera não lhe restaram as lembranças dos bons momentos, mas a lápide de certos arrependimentos, como o de não estar junto ao pai quando ele, poucos dias antes de morrer, pedira à esposa a mão do filho. A morte do pai dera a todos uma profunda impressão de vácuo. 

Olhando para o quadro na posição que considerou ideal, afastou-se. Voltou para o meio da sala. De onde estava, olhava-o, perlustrando a máscara de seda, a mulher que, no balcão nobre, parecia oferecer-se, sorrindo, a dois homens bem próximos a ela. No canto inferior, abaixo da coluna de mármore, uma jovem dividia espaço com um homem bem mais velho. Maurício atentou-se a isso, como se a cena dissesse respeito a ele. A plumagem da tiara sobressaía-se num rosa pálido e luminoso, e a menina parecia mirar o chão, que, pensou, poderia ser o da Garnier. Imaginou o ambiente de sedução que se formava ali no final do século passado. Voltou os olhos para o canto esquerdo do quadro, onde estavam o homem e a jovem, mas Heloísa encobria-a com os seus ombros. O olhar eivado de lascívia, embora contido, tornou-o absorto, como se fosse ele a desejar o pescoço descoberto. Em determinado momento, não pensou mais em nada; as cores destacaram-se sobremodo até preencherem todo o seu campo de visão: espécie de ilusão momentânea em que via, num clarão, os pastéis preto e branco, rosa e cinza, sobrepondo-se à esposa. 

— Heloísa, por favor, afaste-se.

A mulher arrastou a cadeira e pôs-se na cabeceira, onde deixara o sino de bronze, presente que ganharam de um amigo em Poços de Caldas, e que badalava de hora em hora. O som agudo e lastimoso fazia-se ouvir em todos os cômodos, até mesmo nos mais afastados. 

Trouxe-o para perto, com os carretéis de linha no colo, os quais ficavam dentro de uma pequena caixa de costura — os babados e os retalhos cortados em retângulos, estendidos sobre as suas pernas —, deixando o quadro livre, e continuou a bordar as laterais do tecido vagonite com linha branca, acomodando o bastidor sobre o vidro da mesa. 

Logo atrás do pai, próximo à mesa de centro, Emanuel olhava para o jarro de flores. Dos três filhos, era o caçula. Tiveram-no num esforço de reconciliação: queriam reviver o tempo em que o filho do meio, hoje distante deles, fazia-se presente como símbolo de recomeço, reduzindo o passado a apenas uma sombra longínqua e fria. Agora, mais do que nunca, urgia atar as pontas, buscar em outra fonte as águas que lhes restituiriam a vida, condensada em um anjo.

Emanuel começou a movimentar o jarro de flores. Passava as mãos nas pétalas de plástico e encostava os lábios no vidro, marcando-o com o desenho da boca. Heloísa deixou a caixa de costura sobre a mesa e foi até ele. Pegou-o no colo e levou-o para junto de si.

Maurício acompanhou-a com os olhos. Depois, abriu uma garrafa de vinho, oferecendo-a.

— Não quero.

— Beba.

— Não quero. 

Colocou duas taças sobre a mesa, encheu a primeira e, olhando para ela, encheu também a segunda. 

— Ao menos deixe ao seu lado.

Fingiu que não o ouvia, e trocou de carretel: usava agora linha marrom. Levou a ponta aos lábios para facilitar a entrada no olho da agulha, mas Emanuel a puxava, arrancando-a de sua boca. Heloísa refez o nó várias vezes. Sentia-se, sem saber por que, trêmula. Colocou-o sentado sobre a mesa, juntou os dedos polegar e indicador na haste da agulha e, com o nó feito, apoiou levemente os braços nas grossas perninhas do filho, sobre as quais colocou o bastidor. Emanuel olhava ora para as marcas de nascença que se distribuíam pelo peito da mãe, ora para o bordado: os espinhos começavam a se distinguir do fogo, e as chamas, como caudas, fremiam.

Mais uma vez, Maurício chamou pela filha: 

— Amanda! 

Logo depois, encaminhou-se à janela e olhou para a Praia do Flamengo. A pista estava deserta, poucas bicicletas cruzavam-na, um rapaz caminhava, bebendo água de coco, em direção à faixa de areia. Comerciantes abriam guarda-sóis, acomodando isopores e sacos de gelo; e, em frente ao prédio, um menino brincava dentro de uma piscina de plástico — dois patinhos oscilavam em direções opostas, circundando as costas da criança —, com a mãe ao lado, deitada sobre a canga. Associou a água e os brinquedos à piscina da casa de campo, há muito tempo abandonada. Correu até a borda e mergulhou; ergueu-o: estava imóvel e inerte, a barriga distendida como um balão, os olhos arregalados, os lábios sem cor. Heloísa saíra logo atrás, e mal teve tempo de gritar por ele — deparou-se com a mão do marido erguendo a cabeça, entremeada pelos fios de cabelo ruivo.

Voltou-se para dentro.

— Ela saiu?

— Sim, saiu ontem — disse, desenlaçando a linha dos dedos do filho. 

— E por qual motivo não me avisou?

— Avisou a mim.

Maurício olhou para o sino. Pensou em colocá-lo ao lado do jarro de flores, na mesa de centro. 

— Não fica bonito, Heloísa?

Heloísa olhou para ele e fez uma careta.

— Mas é claro que não, fica cafona.

— Então onde vai colocar isso?

Pensou um pouco, suspendendo a agulha e correndo os olhos pela sala. Não havia, propriamente, onde colocá-lo: tudo estava em seu lugar, de modo que trocar um objeto por outro significaria uma mudança brusca na sua ordem íntima. 

— Pensando bem, não trouxemos nada para ela…

Maurício riu. 

— Você acha mesmo que ela vai dar atenção a essa bobagem? Os jovens de hoje só se contentam com aquilo que lhes proporciona algum tipo de prazer. E o barulho que isso faz é insuportável, Heloísa. 

— Mas é claro que ela vai gostar; ele é tão lindo… e nos foi dado por um amigo querido.

Ainda no carro, tirara o plástico que o envolvia para ver melhor a chapa de aço com imagens de figuras bíblicas e mitológicas. Não era muito grande, possuía tamanho mediano. O mecanismo que acionava as bolas de badalo ficava na parte interna, escondido.

— Olha, lembro do dia em que o pai trouxe para casa dois livros de literatura brasileira que o haviam dado num desses eventos de incentivo à leitura, raros naquela época. Nunca os li; mas lembro-me até hoje de suas capas. A primeira ilustrava a silhueta de uma escrava, acho que era um romance regionalista. No segundo volume, via uma lagarta de boca aberta, sinistra, como se rastejasse à procura de comida. Passei boa parte da adolescência olhando aquelas capas — disse Maurício, com a taça na mão, passando o dedo pela aliança. 

— É uma traça, o protagonista é devorado pelas traças.

— Que seja. O que eu quero dizer é que tínhamos a capacidade de nos alegrarmos com certas coisas que não nos ofereciam nada em troca. Duvido muito que ela dê atenção a isso — disse, olhando para ela.

Heloísa não respondeu. Deixou o bastidor na mesa para envolver o filho com um abraço. Encheu a boca de ar e encostou-a em sua barriga. Percorria os lábios na pele fresca de banho, fazendo-lhe cócegas. Ele punha as mãos nos cabelos dela, e repetindo o mesmo gesto de há pouco, procurava atar um nó com os fios soltos entre os seus dedos.

— Então, Heloísa, cadê a menina? — perguntou, deixando a taça sobre a mesa. 

— Deve estar dormindo. Tenha paciência.

Pegou outra garrafa. Passou-a pelas mãos e achou o lacre muito bonito. Após abri-la, o guardaria. Segurando-a pelo bojo, ergueu-a, elevando-a à claridade que da janela se derramava pelos móveis. 

Emanuel observava a mãe, que voltou a preencher os espinhos, faltava pouco para concluir a coroa. Ajeitou os retalhos nas pernas e deixou os babados sobre a mesa. Antes, deu a ele um pedaço de pano, para que se distraísse. Trocou, mais uma vez, de carretel. Passou à linha vermelha, umedecendo a ponta. Trouxe o bastidor perto do rosto, segurando a aresta, e, aprumada, passou a agulha ao centro do tecido vagonite. Dentro do círculo bem traçado, tonalidades de vermelho saíam do núcleo vermelho-coral em direção às últimas linhas que formavam o desenho, vermelhas-laranjas, que tocavam a aresta superior.

Com a garrafa na mão, Maurício chamou-a. Começava a impacientar-se. 

— Amanda!

Passava base nas feridas da mão. Não queria que a vissem machucada. Abriu o guarda-roupa e vestiu outro pijama, jogando no cesto de roupas o que estava molhado de suor. Encostou a mão na maçaneta, respirou fundo e abriu a porta. 

Quando Heloísa completou a última volta na coroa, percebeu que a filha se encaminhava para a sala. Deixou o bastidor sobre a mesa e guardou os carretéis na caixa de costura, mirando-a. Amanda dirigiu-lhe um olhar pesaroso e culpado, desviando-o em seguida, encostando as costas no batente da porta. As olheiras destacavam-se no rosto alvo, e os passos, curtos e cadenciados, mostravam-na acuada. A mãe deteve-se, primeiro, nos machucados da mão, que ela não conseguira ocultar, e pelo olhar da filha, entendeu tudo. Heloísa começava a sofrer.

— Sente-se aqui, meu amor — disse, com a voz embargada.

Amanda puxou a cadeira e sentou-se de costas para o quadro. Sentiu que a mãe estava nervosa, mas Heloísa não demonstrava nervosismo. Interiormente, entretanto, ruía-se; as pálpebras caíram, moles, como se a entregassem. 

Emanuel dividia-se entre as duas. Em determinado momento, encostou a cabeça nos ombros de Heloísa e fixou-se nos borrões de maquiagem no rosto da irmã. Estranhou muito a sua apatia, a expressão de abatimento. Desta vez não o pegara, levando-o à varanda, onde distribuía bolas de gude. As ágatas e as olhos de gato riscavam o piso, acompanhadas do pião cujo cabeçote envernizado destacava o cordel. Ao desprender-se, exibia a ponta da corda como se fosse um chicote, rodopiando, enquanto ela tentava encostar o dedo na garrocha. Maurício acompanhava-os, com o bulião em redemoinhos verdes e azuis na ponta da unha, mirando as bolas menores agrupadas na aresta do ladrilho. 

Tirou as mãos do pijama e passou os dedos sobre o estofado da cadeira. Gostava de sentir a textura áspera do assento. Passou os olhos pelos objetos na mesa: a caixa de costura, os babados e retalhos, as garrafas de vinho e o sino, cuja chapa de aço agradou-a. 

— Não me ouvia? — Maurício perguntou. 

— Estava cansada.

— Você está bem?

— Estou.

Cruzou as pernas e olhou para os joelhos, o vestido na altura da coxa enquanto gritava que não, agora não, e cada vez mais a quentura do rosto no rosto dela, a barba rala a incomodar, sentia o peso do corpo comprimir o peito, dificultando a respiração, e com a palma das mãos forçava-o, na intenção de empurrá-lo, inutilmente. Agarrando-a, tentou achá-la; perdeu-a. Procurou, mais uma vez, no vestido, encontrando-a…

Amanda debruçou-se sobre o vidro da mesa, não sem antes perceber a cicatriz, quase imperceptível, que se estendia pelo antebraço da mãe. Percorria-lhe a pele, que em algum momento começaria a se tornar flácida, do cotovelo ao pulso. E olhava-a, pensativa, ouvindo a voz do pai. A rouquidão pareceu-lhe sinistra. Teve ganas de pedir para que se calasse, mas conteve-se: sentia-se violada, ferida em seu íntimo, e julgou-se, naquele momento e por muitos anos, incapaz de fazer qualquer pedido a quem quer que fosse. 

Viu-se no reflexo do vidro e sentiu raiva ao notar que não lavara o rosto adequadamente. Limpou com a manga do pijama o resquício de maquiagem que lhe borrava o canto dos olhos, destacando-os.

— Então, como foi a noite? — o pai perguntou, passando a rolha da garrafa entre os dedos.

— Legal.

— Foram a algum show?

Maurício sentiu um suave torpor relaxar-lhe os músculos. Arrastou uma cadeira e sentou-se.

— Sim, fomos. Um show de rock.

Heloísa ajeitou a cabeça do filho em seu peito. Pensava numa maneira de ficar sozinha com ela. Maurício tampou a garrafa e guardou-a. Aos poucos, cedeu a palavra ao silêncio, e o seu rosto tornou-se sombrio. Começou a sentir uma vaga sensação de culpa.

Heloísa não se movia. Amanda também não. Com um olhar vago e indistinto, voltou o rosto para o quadro. Corria os olhos pelas margens da moldura, e por alguns segundos todos se mantiveram suspensos em seus pensamentos.

III

Numa tarde de outubro, Heloísa parou por alguns segundos e, da calçada, olhou para o céu violáceo, que formava uma faixa única ao longo do horizonte — e o cenário lembrou-lhe um quadro impressionista. Esfregou as mãos nos braços, como se quisesse limpá-los, e recostou-se no muro, deixando-se ficar, quieta, cadenciando a respiração.

Apoiou-se no berço da irmã, a olhá-la; levantou o tecido de renda e pegou-a. Passou pelo pai, que ainda estava na mesa da cozinha. Desceu as escadas em direção ao quintal. Colocou-a sentada no tronco da goiabeira, defronte ao portão de entrada — mais adiante, a lagoa, a rua de terra batida, as árvores de beira de estrada, as casas em que moravam ourives, funcionários da prefeitura e padeiros, todos empregados no mesmo bairro ou no centro da cidade, acostumados ao serviço agrícola, recém-chegados do Sul. Subúrbio essencialmente italiano. Aos domingos, matronas de longas saias se esgoelavam pela rua, difundindo a voz retumbante pelos botecos adjacentes, confiantes em seus mandos, a buscar os maridos em carrinhos de mão e levando-os de volta à casa, bêbados e sem dignidade. A dinâmica do trabalho na cidade os havia degradado. Entregavam-se à bebida como meio de esquecer os anos em que trabalhavam nas colheitas de trigo: os enormes campos se lhes apresentavam chispados de ouro, avançando pelo horizonte alaranjado. Homens habituados à solidão não se ajustavam à vida no comércio, à regularidade imposta por obrigações às quais não estavam acostumados. Aos poucos, perdiam a dimensão lírica que o trabalho em contato com a terra proporcionava às suas almas. 

Na pequena rachadura do tronco, fulge um raio de sol. Não estava acostumada a ficar ali. Todas as tarde o pai a trazia para fora, andavam pelo quintal, conversavam com a vizinha, arrancavam folhas dos galhos, depois ele a colocava sentada não no tronco de goiabeira, mas no muro que dava para o terreno baldio de onde viam as vigas escuras e grossas, o mato a avançar por cima dos cascalhos, cajás e abacates podres no chão de terra, roídos pelos morcegos, pelos gambás e pelos pássaros-pretos, que aumentavam a aparência de abandono e desolação. No canto do muro havia um buraco de caranguejo encoberto por um pé de tomate. Via-o de vez em quando, sobretudo à tarde, primeiro expondo as garras para depois fincá-las ao chão, mostrando a carapaça negra, que a amedrontava. Os olhos de antena, sujos de terra, vasculhavam o ar, alceados como duas hastes de bandeira. A dor que sentia no ventre não passara, mas a companhia da irmã tornava-a suportável. Heloísa apontava-lhe as partes negras do tronco, ensinando-a a nomear, em francês, o que seriam os galhos, as folhas e os frutos. 

Dos quinze aos dezoito anos, ajudara, no que fora o seu primeiro emprego, uma professora a cuidar de uma biblioteca com pouco mais de cinco mil volumes. Formara-se no curso de Letras da Sorbonne; almejava tornar-se bibliotecária do Real Gabinete Português de Leitura. Em poucos meses, tornaram-se amigas. A professora, bem mais velha, nas tardes após o expediente, ensinava-a o idioma, impressionada com a rapidez com que a aluna declinava os verbos, aplicava os pronomes e construía frases. Em pouco tempo começou a ler textos clássicos; em seguida, já conseguia comunicar-se bem. Passara à Amanda os princípios que aprendera com ela. Repetia as letras do alfabeto à filha que, ensimesmada, olhava-a, como se quisesse perguntar se não deslizava ao pronunciar as consoantes. E como eram bonitas as sentenças escritas ao corrente nas folhas de um caderno de capa dura marrom. Lembravam poesia, a suntuosidade lírica dos sonetos de Camões.

À medida que se afastava do muro e encaminhava-se para a ladeira, conseguia respirar melhor, e a sua imaginação desenhava os grandes cômodos arejados pelas janelas com tacões nas extremidades, que seguravam as dobradiças contra o vento. O quarto, agora, a enojava; sentia ódio do cheiro, da sua cama, das paredes que a comprimiram durante aqueles dez minutos, como se fossem infindáveis, sufocando-a. Passara muitas noites no sofá, ao lado da tia, e quando não conseguia dormir, levantava-se, abria a gaiola e encontrava, com os olhinhos fechados e a cabeça pendendo ao peito, o papagaio Corisco — tinha narinas escuras e bico vermelho —, que imitava a voz do pai, os xingamentos das vizinhas e reproduzia a buzina do entregador de pães na hora exata em que ele passava pela rua de terra. Morrera afogado numa final de Copa do Mundo. Perturbara-se com os estampidos dos fogos e bateu-se tanto à grade que conseguiu romper a portinhola. Quebrara uma das asas ao cair no chão e, atordoado, alçou voo, machucando-se ainda mais contra as paredes. Trotou por alguns metros e tombou em cima do tapete da sala; a penugem arrepiara-se, filetes de sangue escorriam pelas asas. Ergueu-se, mas enxergava pouco. Guiou-se pela luz do sol, que o levou à varanda. Mirou a pilastra mais alta, divisória entre a varanda e a área de serviço. Bateu os pés na ardósia, como se marchasse, para alçar voo, mas não conseguiu. Os raios de sol, subitamente encobertos, tornaram-se esbranquiçados, desorientando-o. Do lado de fora da casa, numa elevação de concreto rente à goiabeira, estava a caixa d’água, descoberta. Confundiu a cintilação da água com o sol que antes se projetava na ardósia. Num esforço derradeiro, conseguiu chegar à borda, e caiu dentro d’água. Quando o encontraram, estava duro como uma pedra, boiando em várias direções.

Tinha sido presente do entregador de pães, amigo de seu pai. Chegava, toda manhã, com uma cesta acoplada à bicicleta e um pano vermelho de listras brancas e quadriculadas encobrindo-a. Heloísa esperava-o, todos os dias, parada em frente ao portão principal. Recebia-o com um sorriso, ao que ele retribuía acariciando-lhe as costas e os cabelos. Naquele dia, percebeu que ele estava agitado. Não a olhava nos olhos; evitava-a, inquieto. Na cesta estavam broas de coco e de milho enroladas em papel de arroz, preenchendo quase todo o espaço. Colocava os pães de sal em um canto, como se quisesse ocultá-los, pois sabia que ela preferia as broas. Na semana seguinte, traria focaccia — Heloísa adorava. Nas sextas-feiras, o chefe preparava, para alguns clientes do Rio, pães italianos, com as receitas que recebera da avó, responsável pela inauguração, com a presença do prefeito, da primeira panificadora de Niterói, Andrea & Francesco, que durante o período militar transformou-se, também, numa confeitaria tão prestigiada quanto a Colombo. Com o tempo perderam a clientela — e na imponente vidraçaria, à vista do público, já não havia mais pães de leite e de centeio, broas de milho e de coco, marraquetas e ciabattas. Em pouco tempo a confeitaria transformou-se em mercearia. Ficava numa rua, no centro da cidade, próximo à prefeitura, há poucos quilômetros de onde moravam. O pai administrava as contas do comércio, e às vezes ajudava na limpeza das áreas, na preparação das massas, embora não fosse padeiro, e, quando necessário, auxiliava também a descarregar os caminhões que traziam de São Paulo farinha e açúcar, embalados em sacos de papelão.

Habitualmente, levava para casa, como parte do pagamento, café ensacado, que consumiam durante todo o mês. Naquela tarde, no entanto, chegara com duas garrafas de suco de uva. Heloísa olhava, da sala do segundo andar, através da porta envidraçada da varanda, a chegada do pai pelas margens da lagoa, a preferir o caminho mais longo para desviar dos botecos — tinha horror aos vagabundos —, dando passadas largas e desgrenhadas. Bateu nas lapas do portão e assobiou, olhando pelo buraco por onde entrelaçava-se a corrente e o cadeado: os troncos das árvores e as paredes em tijolo puro, as vigas baldrames de uma construção há pouco iniciada. Ao fundo, avançando terreno adentro, a casa em que vivia com as filhas. Levantou os olhos, esticou o braço e bateu palmas, envergando o pescoço acima do muro. A vizinha, que também entrava e saía por ali, abriu o cadeado, puxando a corrente:

Per favore, signore, la sua bambina!

Intuiu logo que algo acontecera a uma de suas filhas e saiu correndo, a ecoar o som agudo e seco das garrafas batendo umas nas outras, tal qual duas bolas de aço. 

Percorreu os cômodos do primeiro andar: a cozinha, a sala e o quarto de Heloísa, que estava revirado. Subiu as escadas, abriu a porta do corredor e encontrou-a ao lado da tia, no sofá — o retinir de garrafas em contato com o vidro até hoje a exaspera, num tremular de nervos. 

Com as mãos para trás, como se alguém o subjugasse, olhou para a irmã, que mantinha a sobrinha com a cabeça sobre as pernas. Heloísa olhava para as árvores, alheada, como se sonhasse. Doía-lhe o quadril e a barriga, palpitando membros inferiores. A tia fazia-lhe perguntas, mas mesmo se quisesse não conseguiria respondê-las. Estava, naquele momento, imersa em tristeza profunda, que a tornava muda. 

— Já fomos à delegacia, meu irmão. 

Não respondeu. Limitava-se a manter-se rígido. Olhou para a filha mais nova, que estava na varanda, dentro do berço envolto por um fino tecido de renda em que figuras contrapostas formavam bosques. 

Foi para a cozinha e colocou as garrafas na geladeira. Sentou-se na cadeira, a mirar o relógio de parede.

Poucas horas depois, Heloísa subia a ladeira de acesso à escadaria da Basílica Nossa Senhora das Dores. Passou por um casal de idosos que descia de mãos dadas. No entorno e para além dos edifícios do centro, a claridade esmaecida da tarde e os ladrilhos azul e branco da fachada, herança portuguesa, com a imagem de Nossa Senhora das Dores, em mosaico: três anjinhos despidos aos seus pés encobriam-se com o manto ondeante. Era possível ver, pelas janelas coloniais da secretaria, o enorme lustre de prata, já acesso. 

Heloísa parou por um instante e olhou para o adro. Naquele momento não pensava em nada, corria a vista pela entrada, para as pessoas que desciam e subiam. 

Algo dentro dela a impelia a continuar, sem saber por que, a vida.

IV

Trouxe-a de volta à cama e cobriu-a, na altura do peito. Amanda sentia-se esgotada, e em poucos minutos pegou no sono mais uma vez. Ao acordar — os seus olhos se derramavam de sono —, encontrou a mãe sentada ao seu lado, com os olhos nos barcos que, àquela hora, iam em direção a Niterói, em excursão, ou para a Ilha de Paquetá. 

— Mãe, a Rosa preparou o chá gelado? — perguntou, como se nada tivesse acontecido, como se tivesse acordado em um novo dia. Já não estava com a mesma fisionomia de há pouco, o sono parecia tê-la recuperado do cansaço.

Heloísa meneou a cabeça em sinal afirmativo. Foi até a cozinha e trouxe o chá de maçã com pedras de gelo.

— Então, minha filha, ele não está aqui…

No silêncio que se seguiu à sua fala, Amanda notou que a mãe tinha um aspecto antigo, apesar de ainda ser jovem.

— Lembro-me de pouca coisa desde que acordei. Apenas o vulto do meu lado esquerdo… 

— Continue.

— Pouco tempo depois eu estava dentro do táxi. Não me lembro de quem me colocou lá…

Não conseguiu concluir de pronto, demorou mais alguns segundos, como se revirasse a memória à procura dos detalhes, esforçando-se para ser assertiva na linguagem.

— Acho que foi uma amiga, mas eu realmente não me lembro. 

À medida que falava, Heloísa olhava-a defronte. “Se por algum motivo tivéssemos chegado antes. Um, ao menos um dia antes…”, pensou.

Na sala, as bolas de badalo faziam-se ouvir. Heloísa levantou-se e foi até a filha. Puxou a manga do pijama, examinando- lhe a mão. 

— Você se machucou em mais algum lugar?

Ela abaixou a alça do pijama e levantou a polpa do seio. A mancha adquirira um tom azulado, permeando-a gradações vermelhas. 

— Dói?

— Agora não. Sinto palpitar. 

— Vamos para a emergência. Agora. 

Um temor súbito abateu-a. Perguntava-se se teria engravidado. 

— Não!

— É preciso, Amanda… Vá ao banheiro e tome um banho. 

Demorou um pouco para reagir, absorta. Entregou a caneca à mãe, que a deixou no aparador. Heloísa levantou-se, tirando-lhe a coberta. Amanda despiu-se e ligou a ducha. A mão ardeu em contato com a água quente. Ela virou-se de costas, enrolou os cabelos e deixou que o jato de água a limpasse, pensando se conseguiria ou não dissuadi-la. No fundo, não tinha plena consciência dos riscos a que estava exposta. Apertava e afrouxava o registro do chuveiro, fazendo com que golpes de água caíssem ora mais intensos, ora mais brandos. Aos poucos, começava a aceitar a ideia de que precisava ir ao hospital. 

Heloísa aguardava-a em frente à janela, com as mãos na cortina. Lembrou-se da coragem com que enfrentara a vida até o momento, e não queria mostrar à filha o quão grande era a sua tristeza. Surgiu bem no fundo de seu coração alguma coisa que a recompôs; reagia contra o abandono a que se entregara. 

Amanda voltou, enrolada na toalha. Tirou-a ao aproximar-se do guarda-roupa. Heloísa notou que o corpo da filha era igual ao dela, mas não os olhos, esses pareciam com os da tia. 

— Você está cada vez mais parecida com a sua tia.

Amanda desenvolvia-se à proporção que ela envelhecia. 

— Sinto saudade dela…

Abriu a porta do guarda-roupa e tirou um vestido longo, já gasto. 

Heloísa, agora, aguardava-a na porta, observando-a colocar as sandálias. 

— Mãe, não quero que o pai saiba. 

— Ele já sabe — respondeu-lhe. 

E saíram, minutos depois, em direção à Santa Casa.