De Passarão a Passarinho: A Ave Lúcifer de Emmanuel Santiago

– Por Jessé de Almeida Primo

Para mim foi uma experiência enriquecedora ler O pavão bizarro (ed. Patuá, 2014), o livro de estreia de Emmanuel Santiago, no qual revela algo do parnasianismo que muitos não enxergam, ou fingem não perceber, que é uma vida, perdoem-me o clichê, pulsante, um verdadeiro farol para a modernidade, não simplesmente o uso de seus meios ou daquele estilo tão erroneamente relacionado com o atraso, com que é já velho, para fins irônicos, e sim como uma mostra inequívoca de que aquela forma de escrever absorve sem peias sentimentos novos, serve como expressão exata aos mais diversos anseios e mostra-se bastante sincrônico com a contemporaneidade, como aliás é já perceptível em grande parte da poesia de Cesário Verde que, segundo António José Saraiva e Oscar Lopes no monumental História da literatura portuguesa, está “entre os poetas cuja personalidade se formou dentro do realismo e parnasianismo”(p. 985, 11a ed. Porto) e cuja primeira estância de “Alumbramentos”,

Milady, é perigoso contemplal-a, 

Quando passa aromatica e normal, 

Com seu typo tão nobre e tão de sala, 

Com seus gestos de neve e de metal.

repleta de adjetivos preciosistas, mas funcionais e pertinentes, em que à dicção parnasiana se misturam elementos da poesia simbolista, “aromática”, e os surpreendentes “gestos de neve e de metal”, metáforas poderosas que dizem uma personalidade distante e impenetrável, é um exemplo evidente. E por vezes – ainda falando de Pavão bizarro – Emmanuel Santiago emula João Cabral, certo um de seus modelos diletos, a quem homenageia em diversos poemas, um dos quais a par com João Gilberto (um era lúdico/ o outro era lúcido,/ João era música/ o outro era músculo) que realizou na música o que o poeta pernambucano realizou na poesia, recorrendo à economia dos meios para deixar evidente o que é dito (um rigor conjugado com leveza/ que põe este soneto a descoberto), e a quem também homenageia em “Dueto com João Gilberto”. Essa relação entre João Cabral e João Gilberto é estabelecida não apenas no poema concreto “João e João” (cuja ideia talvez tenha sido sugerida por estas linhas da canção “Outro retrato”, de Caetano Veloso: “Minha poesia vem/ Da poesia da música de um João músico que/ Não gosta de poesia”,)  mas fazendo com que o já dito “Dueto com João Gilberto” seja seguido de “Dueto com João Cabral”. Essa homenagem, melhor dizendo, essa dupla emulação prossegue em reescrever João Cabral em seus trabalhos metapoéticos articulando-o com uma leve dicção parnasiana,   meio que à maneira de Olavo Bilac, como vemos em “A fábula de Fabergé” que remete ao fraseado de alguns poemas cabralinos, principalmente nestes versos: “Se Olavo Bilac procura //// é para depois prepará-la”(cujo fraseado é muito encontrável também nos Sertões, de Euclides da Cunha, um autor que aplicou o parnaso na prosa, e é também uma construção frasal muito em uso no Nordeste, que certamente Euclides da Cunha, em suas pesquisas de campo, muito absorveu) e vai ainda mais fundo ao escrever um soneto, que é o “Soneto branco”, como se o imaginasse escrito por Cabral, que é uma verdadeira obra prima da metapoética, numa sucessão de adensamento vocabular pelo qual se busca a palavra exata, a imagem concreta, e cujo sentimento de não ter encontrado a palavra que tanto queria encontrar resulta em efeito oposto, como se o descrever a busca da expressão exata trouxesse em si mesmo a consecução desse objetivo que, aliás, é algo que Camões faz muito bem com “Amor é fogo que arde sem se ver”, distinguindo-se, porém, desse e aproximando-se do Cabral da abertura de Morte e vida severina por um processo verbal de um esvaziamento, de uma nadificação que se faz com a linguagem da exatidão, espécie de niilismo escultural, além de carregar em si certa dicção simbolista, na qual se percebe de alguma forma o “Voyelles” rimbaudiano, e com surpreendentes jogos sinestésicos:

Queria meu soneto da cor branca,
todo branco, que nunca fosse  negro,
pois o negro é profundo, cheio de ecos
e coisas das quais só se sente o cheiro.

O branco, não. O branco é superfície
e silêncio, o suspense de um relâmpago
retido na espessura de um espelho;
branco é a cor das coisas sem conceito.

Não o branco solúvel, cor de gelo,
nem o branco volátil, cor de espuma,
nem o branco dourado do ouro branco;

quero um branco absoluto, branco abstrato,
o mais puro, o mais claro – mas sem brilho:
quadrado branco sobre fundo branco.

A imagem do “suspense de um relâmpago/ retido na espessura de um espelho” tem natureza semelhante às metáforas surpreendentes, vívidas, concebidas por Cabral, é um símile-pintura, quiçá,  um símile-filme e, com o esforço por imaginar o que o bardo pernambucano escreveria, assim o imagino, dá ao leitor uma das imagens mais bem elaboradas e lindas da nossa poesia, tão bom criador de visões Santiago é. E esse soneto é antecedido por “Soneto caixa de música”, cabralino desde o título, que remete aos títulos curiosos de Cabral, na falta de palavra melhor, títulos-coisas, títulos-objetos, entre os quais “Paisagem pelo telefone”, ”Paisagens com figuras”, “Poema deserto”, “Poema de desintoxicação”, que ecoa também por meio do soneto o “Estudos para uma Bailadora Andaluza”. E com “num só gesto ilumina a madrugada”, que é uma imagem que tem algo de rilkeana também, dos primeiros poemas que compõem Sonetos a Orfeu, e com “na luz calcificada da retina”(incrível essa idéia, de conferir à luz a natureza pétrea para descrever uma visão exata, incontornável, que se articula sem se repetir com o já citado “suspense de um relâmpago/ retido na espessura de um espelho”) lega à nossa poesia outra imagem antológica, entre tantas outras que povoam Pavão bizarro e o A ave Lúcifer(ed. Patuá, 2020). Se no “Soneto branco” o imaginar Cabral escrevendo um soneto é algo especulativo, ou mesmo um resultado não premeditado, em A ave Lúcifer há de fato algo deliberado com “Construindo a madrugada” que, como diz no subtítulo explicativo, é um soneto cabralino, numa referência evidente ao “Tecendo a manhã”, inclusive na disposição estrófica, de Educação pela pedra, do mesmo Cabral,  e também numa referência ao icônico “As pombas”, de Raimundo Correia, com os versos “a madrugada e seu frescor de sangue”, conferindo aos versos “raia sanguínea e fresca a madrugada” um adensamento mais cruamente carnal. Afinal, se no poema de partida o sangue serve ao propósito, na sua forma adjetiva, “sanguínea”, de descrever com mais precisão as cores com que os raios de sol banham a madrugada, no poema de chegada, o “frescor” é articulado não apenas ao ar da madrugada, mas ao sangue também, sangue esse que toma o lugar ao orvalho, e assim o ar da madrugada perde a leveza e o frescor aquário presente nos versos de Correia para se tornar sufocante como se afogados em sangue estivéssemos.

A referência que fiz ao poema de Cesário Verde não é casual. Assim como o poeta português, a técnica parnasiana na poesia de Emmanuel Santiago, qual visto também em alguns autores brasileiros, tem também o elemento participativo, resultado talvez da herança romântica muito presente em Raimundo Correia, principalmente dos primeiros livros, Machado de Assis e no mesmo Olavo Bilac, e principalmente baudelairiana a julgar entre outros pela presença da paisagem urbana, menos fascinante que tenebrosa e cruel, numa visão nada idealista do progresso. Quando uso a expressão “participativo” não refiro apenas aos poemas de Santiago que tratam de problemas sociais contemporâneos, e com sentimentos próprios do homem contemporâneo, nos quais, pela excelência, deveriam ser modelo para quem pretende investir nessa seara, como o “Álbum de férias em Abu Ghraib”

Prisioneiros cobertos de fezes,
co’a cabeça metida em capuzes,
numa feia e cruel catequese,
estendiam os braços em cruzes.

Empilhados, uns outros, sem roupa
(penitência lasciva e satânica),
simulando estranhíssima cópula,
davam forma à pirâmide humana.

Nesse velho covil, Belial,
bafejando seu hálito pútrido,
espalhava futum infernal,
instigando vertigem e estupro. 

com suas imagens que remetem às famosas estâncias que abrem com “Era um sonho dantesco o  tombadilho” do poema “Navio negreiro”, de Castro Alves, e ao participativo revestido com sentimento elegíaco do belíssimo “Os insones”, 

Mortos, nunca foram belos;
nenhum deles feito um anjo
no grotesco desarranjo
de seus corpos amarelos.
A tragédia não redime:
não há foto, não há crime;
é mais fácil esquecê-los.

ambos do A ave Lúcifer, mas também aos que tratam de coisas concretas, mesmo que pessoais, o elegíaco mais intimista do “Soneto carcinogênico”, cuja dicção e matéria aproxima-o de Augusto dos Anjos, ao erotismo de o “Soneto sáfico”, entre outros, e sem esquecer a narrativa “Legenda de Robert Johnson”, em que o elemento mítico, místico e social se misturam com muita naturalidade,

A alma, prenda que foi paga 
com o sangue de Jesus, 
Robert Johnson a vendeu,
conquistando o dom do blues.

Trabalhava na fazenda,
na colheita do algodão,
mas o branco dessa fibra
encarnava suas mãos.

Mãos de negro, carregavam 
a memória dos avós:
dois escravos, entre tantos, 
cuja dor não tinha voz.

E por isso quis cantar:
sua dor não era muda;
arrancá-la foi preciso,
transformá-la toda em música.

dessa vez numa linguagem mais direta, menos adornada, mais apropriada às baladas, lembrando em alguns momentos a musicalidade que embala alguns poemas narrativos da Balada do cárcere, de Bruno Tolentino, com certa dicção de poemas de cordel, e que também remete às formas mais medievalescas de poesia, anteriores à pulsão classicista que se tornaram notórias após o renascimento, e assim se articula nessa dicção com os surpreendentes  “Havendo paz, eu me rebelo (falso sirventês)”,  “Antão, o santo, no sepulcro”, que é uma sextina, e com as “Fábulas burlescas”, formas mais antigas e nas quais, por vezes,  excele sobre outras formas e escolas de que faz uso, preservando nelas algo de um passado longínquo e, ao mesmo tempo, tornando-as expressões adequadas ao ethos contemporâneo, sem que sirvam como mero adorno arqueológico.

A escolha da escola parnasiana, a respeito da qual Emmanuel Santiago fez um instigante trabalho acadêmico, Musa de espartilho, e que prossegue com um estudo sobre a retórica de que essa escola é herdeira em outro ensaio publicado no volume O que restou de 22: Uma semana na contramão da História(Sete Selos, 2022), tem muito a ver com o niilismo que marca alguns momentos de sua poesia. Considerando que essa escola cultuava, ao menos na sua intenção, a perfeição formal acima de tudo, a ponto de a torre de marfim ter se tornado uma imagem mais imediatamente associada a ela, não é difícil articular essa intenção com o pouco caso que se faz com o real, que nada mais é que um pretexto para a arte pura, não um modo de por meio dela ter mais evidência. 

O Parnasianismo, uma espécie de Renascença do século XIX, em sua luta contra o participatismo  e derramamento românticos, desempenhou, ao menos de modo aproximado, o mesmo papel que o Modernismo de 22 desempenhou frente ao indiferentismo retórico da mesma escola parnasiana, para a qual se tornou, numa linguagem bem vulgar, coisa velha, resultando, poucas décadas mais tarde numa espécie de contrarreforma da chamada Geração de 45, que via nos rapazes de 22 os mesmos vícios que os parnasianos viam nos românticos.

Esse indiferentismo formal, mais intenção que resultado, dado entre outros motivos a herança romântica a que seus autores não escaparam, teve sua radicalização com o adorno parnasiano a favor da violência revolucionária no poema “Alumbramentos” de Cesário Verde, adorno esse que confere impressão de distanciamento (nesse caso, para disfarçar o próprio ressentimento de não ter sido notado pela dama altiva),

Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os barbaros reaes;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, allucinadas,
E arrastando farrapos — as rainhas!

a que Santiago, de alguma forma, dá continuidade com

Do corpo, sei que o povo
arrastou pela praça, na lama,
depois cuspiu, mijou em cima,
e o que restou, o muito
pouco, foi dado aos porcos,
aos pobres que, há muito tempo,
não sabiam o que eram brioches.

do poema sobre a execução de Maria Antonieta, cujo título longo, quilométrico, remete às crônicas de outrora, e com “Os jogadores de xadrez”, de Ricardo Reis, no qual a violência vem embalada no neoclassicismo e disciplinada pelo pretenso estoicismo desse heterônimo:

Ardiam casas, saqueadas eram
as arcas e as paredes,
violadas, as mulheres eram postas
contra os muros caídos,
trespassadas de lanças, as crianças
eram sangues nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade
e longe do seu ruído,
os jogadores de xadrez jogavam
o jogo do xadrez.

Essa indiferença ricardiana, talvez mais perversa que estoica, reverbera na figura sádica da soldada norte-americana, que fez pose para fotos em que aparecia humilhando de forma inacreditável seus prisioneiros, como o retrata o já citado “Álbum de férias em Abu Ghraib”:

Escarninha e sinistra modelo,
profanando a memória dos mortos,
a soldada de curtos cabelos
era vista sorrindo nas fotos.

Noutra foto, essa mesma garota,
de cigarro pendente nos lábios,
humilhava os detentos, marota, 
apontando seus moles caralhos. 

Esses poemas mais participativos, na sequência que vai de “Álbum de férias em Abu Ghraib” à “Queimemos de Alexandria” é preciso ressaltar, embora escritos num vocabulário estudado, valendo-se inclusive de pequenas inversões típicas da poesia clássica, “curtos cabelos” e “moles caralhos”, posto que por vezes, por força de expressividade, apele a coloquialismos sintáticos como “mijou em cima”, parecem ecoar algumas letras do universo da música punk (“Queimemos de Alexandria” é o “Anarchy in the U. K.”, que se traduziu em poesia) no qual se destaca entre outras a canção “Bodies”, da banda Sex Pistols:

Dragged on a table in a factory
Illegitimate place to be
In a packet in a lavatory
Die little baby screaming
Body, screaming, fucking, bloody mess
Not an animal, it’s an abortion.

sem esquecer de outra participação da cultura pop,  o rolinstoniano “Please allow me to introduce myself” no verso: “Permite, por favor, que me apresente”, quarta parte de a “A legenda de Robert Johnson”, intitulada não por acaso como “A história de Satanás”. Voltando ao poema sobre Maria Antonieta, essa aproximação com a fúria do universo punk, acrescido da fúria revolucionária francesa, é tão exasperada que explicita certa vontade de sadismo, pouco importa se para efeitos dramáticos ou não, e assim prejudica o resultado final do poema, que resulta em um poema irregular com algumas estâncias brilhantes. Escapou ileso, e bem, a esse risco o poema “9525” cuja perspectiva adotada, o ponto de vista de um assassino com todas as pintas de crueldade, poderia levar a um desastre poético, mas foi um risco que valeu a pena desde a poderosa e musculosa abertura: “Meu ódio pesa setenta toneladas/ de aço retorcido e corpos carbonizados(…)”, verso esse que traduz em tintas mais fortes o espírito destas linhas da já citada “Anarchy in the U. K.”, que é um hino punk: “I am an antichrist/I am an anarchist/ Don’t know what I want/But I know how to get it/ I wanna destroy passer by.”

O já mencionado niilismo creio seja menos um sentimento real que um recurso retórico para expressar uma sensação de impotência diante do mal, é um lamento impotente pelas vítimas: “A tragédia não redime:/ não há foto, não há crime;/ é mais fácil esquecê-los.” Mesmo o sadismo de diversas passagens do poema sobre a morte de Maria Antonieta é um recurso, diria, desesperado para dar destaque às vítimas, embora no final das contas, nessa circunstância, a vítima mesmo é a rainha, ainda que seja vítima de suas vítimas, algo como uma cruz que o poeta vira de cabeça para baixo, resgatando assim o satanismo romântico que, talvez por influência gnóstica e também miltoniana do Paradise Lost

We may with more successful hope resolve
To wage by force or guile eternal Warr
Irreconcileable, to our grand Foe,
Who now triumphs, and in th’ excess of joy
Sole reigning holds the Tyranny of Heav’n.

apresenta Lúcifer não exatamente como algoz, mas como vítima da Tirania Celestial, a qual mostrou-Se insensível ao seu amor pelo belo que diz não à feiura do mundo e da humanidade,

mas o ressentimento, que consome
até mesmo o ser mais belo e sublime,
cegou-me quando Deus inventou o homem,
criatura desprezível que suprime
do mundo qualquer senso de harmonia,
espalhando feiúra, torpe crime!

Esse sentimento remete ao “Albatroz” baudelairiano que tanto reflete a figura do poeta que não consegue se ajustar por repulsa ao mundo dos homens, como também o próprio espírito aristocrático, “se me vês assim, todo esfarrapado,/ feito um aristocrata decadente”, que se vê guardador das coisas belas. Aliás, os poetas, para o bem e para o mal, têm algo do espírito aristocrático, pouco importa que seja um poeta de boteco, entre os quais o gigante Fernando Pessoa, ou que se encontre numa situação social mais privilegiada. Não podemos deixar de notar que a rainha Maria Antonieta, com a famosa resposta às revoltas populares, “se não têm pão, que comam brioches”, é esse albatroz, ou sua caricatura, que com suas asas grandes, feitas tão somente para o céu e, por isso, um verdadeiro estorvo no solo (a frase infame da futura degolada é essa asa grande), é o símbolo mesmo de uma mudança histórica que obrigou os aristocratas falidos a pôr a mão na massa, a encarar com repulsa o trabalho, e esse sentimento de perda de privilégios, ao que parece, resultou numa verdadeira revolta dos dândis,  que é muito bem ilustrado com o fato de que a figura majestosa de Lúcifer, mesmo sob a figura do “aristocrata decadente”(como observa o crítico cultural Martim Vasques, o mal que por vezes se camufla “na aparência de um gentleman.”), cioso dos tempos idos, “da antiga glória não me desvencilho”, que aparece no poema de abertura, tentando pela figura de Robert Johnson restaurar o Paraíso perdido, ou a beleza perdida, encerra ironicamente sua carreira como a “Rola”, que é o epílogo cômico de Ave Lúcifer, ou seja, a aristocrática ave agourenta do poema de Poe reaparece como um pássaro mesquinho de duplo sentido, destronando o solene e trágico “nunca mais”, substituído pelo popularesco das redes sociais “Só que não”, numa tradução perfeita do fim eliotiano, “not with a bang but a whimper”, ou por outra, após a Queda, que é a perda da Graça, Lúcifer perdeu também a pose.