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Um cão sem dono, sem pudor nem pedigree,
invadiu o desfile na Sapucaí
e, com a sanha típica dos vira-latas,
deu corda ao coração, velocidade às patas
e foi realizar sua grande fantasia:
comer a vulva da rainha de bateria.
Tão forte o susto foi quão feio foi o tombo,
plantando na mulher intrigante calombo
para estupor de jornalistas e passistas:
aquelas eram cenas nunca antes vistas
de um desfile em que tudo estava sendo histórico:
desde enredo e harmonia até carro alegórico.
A notícia fatídica chegou mais tarde:
aquele cão com raiva, aquele cão covarde
assassinou o espírito do carnaval
porque a rainha, depois de meses no hospital,
estranhamente veio a óbito: infecção.
Houve contudo quem narrasse outra versão.
É que o dono da escola, diretor do jogo,
para ocultar o apartamento em Botafogo,
teve de esvaziá-lo de qualquer indício:
a rainha andava interferindo em seu ofício,
o que engendrou talvez a confabulação:
“O bicho é sempre traiçoeiro, mas um cão?”,
argumentou a mãe, em entrevista à imprensa:
ela sabia muito bem a diferença
entre um e outro. E conhecia o animal:
não era cão qualquer, como disse o jornal,
mas sim cachorro que trabalha na polícia!
Em seguida, afirmou que houve muita malícia
da corregedoria em abafar o caso
e que a vida da filha foi comprada a prazo:
“Rainha? Só na avenida. Ela era concubina
do todo-poderoso! canalha! sovina!”
E, querendo pôr fim àquele mau bocado,
buscou se amasiar de um agente de Estado
que, por azar, não se mostrou ser boa gente:
a paga era mais do que suficiente
e o rei da selva ia voltar a dormir bem;
quanto à busca e apreensão: não há ninguém nem bem;
como seu preço já caísse em cotação,
armaram cerco contra a rainha bicho e cão.
A mãe sustenta que o maior erro da filha
foi ter tentado desmontar essa quadrilha
e, enquanto espera que a justiça seja feita,
defende a honradez de uma mulher direita
violentamente morta como a pior cadela:
“Hão de pagar bem caro pela morte dela!”