Nelson Rodrigues certa vez escreveu, não me lembro exatamente onde, que a arte é a tentativa de eternizar nossas últimas palavras de moribundo (não sei se escreveu exatamente assim, mas é por aí). Como em tudo na vida, ele tinha razão e suas palavras me vieram à mente quando fui surpreendido pela partida precoce do escritor Daniel Laier.
Tal morte se tornou para mim ainda mais comovente, porque, no último mês, vínhamos nos falando. Disse que ia ler meu livro, provavelmente por educação, e respondi que leria o dele, também por educação. Tínhamos formas muito distintas de contar histórias e talvez gostos muito distintos. Ele, no entanto, me falou de sua concepção do romance e da necessidade de aliviar a arte da pretensão didática e moralizadora, quando vi que pensávamos parecido. Se queixou ainda da vaidade e do ambiente competitivo do meio literário e eu, vaidoso e competitivo, só pude concordar. Senti que dali nasceria uma amizade; não tivemos tempo… Um mês depois de nosso último contato, quando Daniel gravava os áudios enquanto lavava pratos e se ouvia um choro de criança ao fundo, estou eu aqui escrevendo sobre sua partida.
De qualquer maneira, abortada a amizade, Daniel me deixou uma lição cravada em carne. Jamais esquecerei do homem de saúde frágil, que entregou dez anos de sua vida à escrita de um único livro, sem pressa, sem vaidades, sem espera por recompensas terrenas, apenas o artista, abraçado à sua arte, um abraço de náufrago, apenas por ter uma história para contar, apenas por ter uma obra por legar, apenas por querer fazê-lo.
Sei que todos nós que escrevemos somos desafiados, no bárbaro Brasil, a explicar por que escrevemos, e nada me dá mais ânimo como artista do que saber que alguém escreveu simplesmente porque deu na telha. Assim, a vida de Daniel, e sua ausência, são para mim um lembrete de que a literatura não é nada, mas pode ser tudo, assim como a vida. Assim, sem medo de morrer, escreveu suas últimas palavras, que ficaram, e, porque escreveu, não morrerá.
Descanse em paz, Daniel Laier.