-por Fernanda Boaventura
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1. Sonhei que tu conhecias as palavras que Deus falou pelo Anjo.
Sonhei que tu conhecias as palavras que Deus falou pelo Anjo.
Ao percorrermos a ontofania da memória,
Onde guardamos o ramo abençoado?
Após a primeira ressurreição,
Terás subido ao leito carregando a terra negra nas tuas vestes.
Nos recônditos da carne,
O tempo encarna o fogo.
À presença do celebrante,
Recitamos a oração pelo esquecimento —
A aristeia das crianças.
Eis a história da espera que solidifica-se nos lábios vivos do coro:
Esplendorosa noite reinante.
Mas Deus pronuncia a nossa memória. Nomeia-a.
Diz, “Não chores.” 1 Lucas 7:13
Já tu, criança que prepara o perfume,
Ajoelha-te diante da Palavra venerada.
Ao longo do primeiro de todos os dias,
A espada, como um Rosário, inaugura-se pela Cruz.
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2. Lembro a Deus do teu sono intocável de infante.
Lembro a Deus do teu sono intocável de infante.
A manhã recorda o primeiro Mistério:
O riso da criança jamais decifrado
Sob o astro convertido em névoa.
Oferecemos em sacrifício o sonho
Como um coração contrito e quebrantado.
Sem jugo,
Aguardamos o milagre,
Lavrando a terra com a pedra solar.
E o Senhor não tresmalha o teu corpo no covil.
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3. No sexto ano do teu silêncio
No sexto ano do teu silêncio,
Costurei um vestido de ásteres,
Disse-te, “Amemo-nos aqui.”
Sobre o leito da dessemelhança,
Não pude conhecer a tua inocência.
Talhado na pedra perdida antes das Núpcias,
O Noivo sela o teu nome revelado por Deus.
E, então, no decorrer da Liturgia, pergunto-lhe:
É possível tecer com roseiras a proteção deste refúgio?
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4. Onde o anjo à cabeceira tornava-se pedra
Onde o anjo à cabeceira tornava-se pedra,
Abria-se em flor o holocausto do tempo.
Era verdadeiro o ventre que beijavas:
Pétalas a restarem entre as heras
Urdidas sobre a região da morte.
Buscavas na carne cingida o alimento dos pássaros,
E na tenra sarça, a lua desfeita em cinzas.
Rejeitavas o milagre:
A rosa dos teus temores oculta no escuro caminho.
Pois a morte era primogênita como a áspide,
Um rio perpétuo em seu curso de cerejeiras:
Ânfora que leva à vinha seu eco de aleluias,
Teu louvor incauto
Vem de ti o pássaro que beberica a primeira chuva de Março
Se ao corpo morno sob o dossel negamos a eternidade?
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5. Confissões, Livro IV
Haveremos de perdoar o cavalo que lambe-nos tão distraidamente o ventre?
Em teu seio,
O esquecimento torna-se uma roseira despovoada.
Uma estrela, quando morre,
Não se assemelha à obscuridade amorosa do Mistério.
E o inferno trai o sangue cego.
Antes que o golpe fosse desferido,
Foste arrancado à minha loucura:
E não pedi por tua ressurreição.
Mas, à mesa dos mártires,
Tu, como um moribundo,
Foste batizado durante o sono:
Enquanto sonhava com a ternura,
Deus amou teu coração obscuro.
E ouviste o riso de João na casa paterna.
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6. À luz de velas esparsas
À luz de velas esparsas, servi o tempo de louvor ao teu Santo Nome.
Mas quando o abutre consumiu-se em tua ternura,
Derramei a taça da tua palavra,
Com frio,
Adentrando com os ombros encolhidos no portal de tua Graça
— Soberana corça sobre a legião de búfalos
Que afunda sem passado
Á sombra do vale negro.
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7. Senhora do esquecimento
I.
Senhora do esquecimento,
Em tua escuridão, o vento principia como um Salmo:
As árvores cegam a si mesmas no curso desta espera.
II.
À hora fatal da mentira,
Perturbei-me com a tua rosa de esperança.
Enquanto nosso louvor floresce em teu silêncio,
A tua ternura toca o reflexo do sangue
Que corre para o coração das nascentes.
III.
Quem te beija a fronte, Senhora?
Um homem não alça sua solidão aos céus.
Antes, torna-se um espinho na cegueira de um cervo.
Deserda o amante que alimenta a própria morte,
Exilado do milagre
Cujo nome a criança ressurreta conhece.
IV.
Em tua câmara de extermínio,
Sonhamos com a Primavera
Embebida no sangue gelado das rosas.
V.
Mas não há uma única criança desperta na Casa de Deus,
E o fogo é uma semente sorvida pelas águas.
Sequer a lua sabe o segredo das casas que clamam pelo teu rosto
Quando a guerra revela o bálsamo rubro.
VI.
Certa vez um homem me mostrou a tua chaga.
Mas como abrirei caminho na tenra noite do mundo
Sem a luz do Sol ferido,
Sem odiar a morte que me despreza?
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Fernanda Boaventura nasceu em Belo Horizonte em 1998. Pode ser contactada pelo e-mail fernandagb526@gmail.com ou pelo perfil no Instagram @frennaad